Por: Lorena Filgueiras
Foto: Divulgação
Manu Buffara está com tudo e não está prosa: foi considerada pela imprensa estrangeira especializada, “a próxima grande estrela da Gastronomia brasileira”, abriu seu primeiro restaurante em Nova York e, de quebra, acaba de ganhar o prêmio de “melhor chef do ano”, concedido pela Prazeres da Mesa. Seu restaurante, Manu, localizado em Curitiba, também abocanhou a premiação de “melhor restaurante”, provando que há vida gastronômica de (alta) qualidade fora do eixo Rio-São Paulo.
A graduação em Jornalismo demorou. Foram sete anos, segundo os cálculos de Manu Buffara, nossa entrevistada, até que pudesse segurar o (nem tão) esperado canudo. “No meio disso [do curso de Jornalismo] tudo, morei fora, fiz estágio em hotéis e restaurantes, trabalhei em uma estação de ski e acabei ‘caindo’ na cozinha. Foi muito mais por necessidade, no começo, mas depois se tornou uma paixão. De volta ao Brasil, meio que já decidida a mudar de curso, meus pais foram contra, até porque não tinha esse glamour todo que tem hoje e meus avós me ajudaram a ir para a Itália. Lá foi que fiz o curso de Gastronomia”, resume. O período no velho continente foi extremamente prolífico para a jovem chef, que passou por algumas casas, dentre elas, o renomado NOMA [considerado um dos melhores do mundo, na Dinamarca]. Aos 23 anos, Manu comandava uma brigada enorme de uma cozinha de hotel – seu primeiro emprego já na área – e onde ficou por 4 anos.
De volta ao Brasil, não teve quem a conseguisse demover da ideia. Abriu o Manu, restaurante localizado no elegante bairro do Batel, em Curitiba, onde atualmente reside. O sotaque paranaense é tão forte quanto a personalidade de Manu Buffara.
Nascida em Maringá, filha de agricultores, teve no pai sua principal referência na condução de seu negócio, ironicamente a figura que mais se opôs à carreira na cozinha. “Quatorze anos atrás, ele não enxergava futuro na profissão. Ele pensava: ‘poxa, criei minha filha para trabalhar em cozinha?’”. É importante que à esta altura do texto, eu revele a vocês que conversei com Manu enquanto ela corria pelo aeroporto Afonso Pena. “Não desliga. Vou passar pelo raio-x agora, mas fica firme na ligação, tá?”, ela pediu. “Curiosamente, você perguntou do meu pai e estou indo para Maringá agora, para um evento lá da cidade e vamos trabalhar juntos”, revelou. Nem preciso dizer que o pai morre de orgulho da carreira da persistente Manuela.
Por ser agricultor, foi com ele que ela aprendeu a valorizar todos os elos (dos menores aos maiores, mais expressivos) da cadeia dos pequenos produtores rurais – figuras muito presentes no cotidiano de quem vive no Sul do país. “Sempre tive uma conexão muito forte com a terra – e nem falo só pelo restaurante, mas pelo estilo de vida: como o alimento pode mudar, construir, operar revoluções na vida de alguém”, afirma. E ela não fala da boca pra fora, não: Manu Buffara é madrinha de um projeto que disseminou hortas urbanas em Curitiba e, por meio dessa intensificação da relação, ela tem um contato mais pessoal com os moradores do entorno... para não mencionar a ‘descoberta’ (disseminação) de sabores que, por inúmeras razões, foram ficando ausentes do paladar cotidiano das pessoas. “Ao contrário de vocês [do Norte], o Sul do Brasil não tem muito mais coisas a serem descobertas, ainda assim, ‘descobri’ o tucum, que é da Mata Atlântica; a banana-fruto... acabo trabalhando com biólogos, botânicos e, juntos, eles me possibilitam levar esses ingredientes para dentro do meu restaurante. Para além dos ingredientes, descobri histórias e isso me encanta muito! As pessoas precisam conhecer sua terra, sua história e cultura”.
Ao falar do Manu, sou surpreendida, de cara, por uma informação. Quase 100% da produção interna do restaurante são feitas do zero... inclusive o tucupi. Para quem é paraense, a informação deve surpreender, porque sabemos [melhor que ninguém] a trabalheira que é extrair o sumo da mandioca, que é colhida, lavada, ralada, espremida em um tipiti e, posteriormente, fermentada, cozida. Ufa! Boa parte de nós recorreria a uma das bancas no mercado do Ver-O-Peso, afinal, estamos geograficamente mais próximos. Mas no Manu... bem, ele é feito no frio de Curitiba. “Não sou daí [do Pará] e não tenho tucupi aqui. Meu conceito, no Manu, é de que o alimento não viaje muito, para que possamos fazê-lo aqui. Temos um fermentado aqui, que se chama ‘manipueira’ [por aqui, é a primeira água – tóxica pela alta concentração de ácido cianídrico, obtida a partir da mandioca ralada], um suco da mandioca, que é fermentada. É a partir dessa ‘manipueira’, que é mais clara que o tucupi de vocês, que eu faço o meu próprio tucupi. Tempero com alho, coentro, um pouco de jambu, que é daí da região. É mais ou menos isso. Aqui eu chamo de tucupi, porque a técnica é parecida, mas sei que o resultado final é bem diferente”, explica.
Manu esteve em Belém algumas vezes, à convite, inclusive do Ver-O-Peso da Cozinha Paraense. “O sabor do pato no tucupi não me sai da cabeça”, confidenciou. “Da Amazônia, o que me impressionou mais foram as formigas. No Pará, impressionante é o tucupi, sem sombra de dúvidas!”
Tamanho rigor e primor não são preciosismos da chef: é filosofia de vida, missão, mesmo. Afinal, comer é um ato político. “Claro que é importante falar para o Brasil inteiro, mas, antes, você tem de ser exemplo na sua cidade. Aqui em Curitiba, iniciamos um projeto, junto à prefeitura, da fazenda urbana, a primeira do gênero, que será lançada agora, em julho [esta entrevista ocorreu no comecinho de junho de 2019] – um centro de tecnologia de alimentação, em que as pessoas poderão vir ver e reproduzir na própria casa, no próprio quintal, transformando a agricultura urbana numa realidade! As hortas urbanas, os jardins... conseguimos incluir esses ingredientes, advindos de hortas e jardins urbanos, nas merendas escolares; inserimos as mulheres de pescadores do litoral neste processo. Temos também o Armazém da Família, uma grande feira para famílias de baixa renda, para que eles possam ter acesso ao alimento de qualidade. Então, eu acho que isso é um passo enorme. Eis meu projeto, além dos meus restaurantes. Precisamos transformar os paladares das pessoas, provendo-lhes de informação e educação”, afirma.
Manu & Ella – Um pouco antes do fechamento da revista LiV, saiu o resultado da eleição da Prazeres da Mesa, considerada uma das mais respeitadas do mundo e referência gastronômica no Brasil, que laureou todo o talento de Manu e a elegeu a melhor chef do país. De quebra, seu restaurante de Curitiba, Manu, também conquistou o prêmio de melhor restaurante nacional – uma surpresa, tanto quanto anunciada, já que a casa foi eleita como uma das melhores da América Latina, em 2018. Uma comemoração que somou-se à inauguração do Ella, primeiro restaurante da chef no exterior, mais precisamente, em NY. “Tenho a felicidade de ter sócios com a mesma visão que eu e se fosse pra ter um restaurante fora de Curitiba, que fosse em Nova York, que é uma cidade que eu gosto muito. Apesar de ter sido um grande passo, foi um movimento muito calculado e pensado. Queria mostrar um pouco do que se produz no Brasil e acredito mesmo que essa abertura de portas não foi só pra mim: trata-se de uma abertura aos brasileiros”. Alguém duvida?
A chef compartilha conosco uma receita exclusiva, servida no Manu e no Ella.
Receita Lagostin e Bucho
Caldo de camarão – 1ª parte
1,2kg de cabeça e casca de lagostin
200grs de gengibre
4,2lts de água
Modo de preparo: Cabeças de lagostin sem olhos, deixe secar em uma panela com fogo médio, adicione o gengibre picado e a água. Fogo baixo, reduzir um litro de caldo sem levantar fervura, reservar 3.2lts do caldo.
Caldo de camarão – 2ª parte
1,4kg de camarão com casca e sem cabeça
50grs de tomilho
3,2lts de caldo de lagostin que foi reservado
Modo de preparo: Bata no liquidificador só o camarão, depois em um recipiente amasse o camarão batido com o tomilho e o auxílio de um pilão ao amassador de legumes. Aos poucos adicione o líquido. Deixe cozinhar em fogo baixo até o camarão ficar todo cozido (mais rosado), sem levantar fervura. Passe numa peneira bem fina e, depois, com o auxílio de um pano fino (tipo uma fralda) use como um coador também para retirar ainda mais as impurezas. O caldo está pronto.
Cebola assada
1 unid. cebola média
Modo de preparo: Coloque numa assadeira e leve ao forno com casca para que asse por inteiro, à temperatura de 180 graus, por aproximadamente 1h20. Descasque a cebola, precisamos do miolo mais firme. Cortar ao meio na vertical: deve aparecer como se fossem pétalas, para que possam ser separadas uma a uma.
Bucho
1kg de bucho limpo e lavado cortados em tiras (molho de 15minutos: mistura de 15 ml vinagre de arroz com 2 lts água). Após esse período, enxaguar e reservar.
4 unidades de cebolas picadas
15grs de alho picado
15grs de salsinha
15grs coentro
4 folhas de louro
20ml de óleo de soja
3lts de água
Sal a gosto
Modo de preparo: Numa panela coloque o óleo, doure a cebola, o alho. Entrar com o bucho até que doure também, acrescentar as ervas, sal e, por fim, a água. Cozinhar em fogo baixo por aproximadamente 2h30. Deve ficar macio.
Lagostin
1 unid. de lagostin limpo – recheia 2 cebolas
Raspas de ½ limão siciliano
Raspas de gengibre – aprox.. 2,5grs
Modo de preparo: Cortar brunoise* o lagostin, temperar com as raspas de limão e gengibre. Reservar o lagostin: vai servir de recheio para a cebola em pétala.
Azeite de coco com café
200ml de óleo de coco
40grs de café em grãos
1 pilão para triturar levemente
Modo de preparo: Colocar num saco vácuo o óleo e os grãos de cafés pilados. Levar ao sous vide** por 1hora a 70 graus. Depois colocar num filtro de café para coar.
(*) Corte em brunoise: em tirinhas fininhas, palitinhos bem fininhos.
(**) Cozinhar em sous-vide: cozinhar a vácuo. Colocar o alimento em vácuo apropriado e cozê-lo.