Bob Wolfenson

Aos 66 anos, Bob celebra a própria trajetória, que vai muito além do contato com “celebridades”, palavra da qual não gosta.

02/06/2021 08:58 / Por: Marina Santa Clara Yakabe / Fotos: Divulgação
Bob Wolfenson


Cinquenta anos atrás, quando conseguiu seu primeiro emprego, em um estúdio de fotografia, o paulistano Bob Wolfenson nem imaginava aonde aquele trabalho “meio chato” o levaria. De lá para cá, conquistou um lugar entre os maiores do Brasil. Entre modelos, artistas e políticos, retratou possivelmente todas as personalidades que fizeram história no país e se tornou referência por trazer novas linguagens à fotografia de moda e de nu. Aos 66 anos, com o recém-lançado livro “Desnorte”, Bob celebra a própria trajetória, que vai muito além do contato com “celebridades”, palavra da qual não gosta. Abaixo, reflete sobre a efeméride e a própria trajetória: 

 

Como está sendo essa celebração de 50 anos de carreira em meio à pandemia? 

Talvez a lembrança dos 50 anos tenha me ocorrido até por conta da pandemia. Porque fiquei meio desocupado... Aí eu lembrei. Já estava querendo fazer algum livro. Era para lançar no festival de fotografia de Tiradentes do ano passado, em abril. Estava com ele pronto, ia fazer uma impressão digital. Aí o festival cancelou e mudei todo o escopo do livro. Como eu transito por várias disciplinas da fotografia, ia fazer fascículos. Aí o Edu Hirama, designer gráfico dessa história toda, sugeriu juntar todas as ideias. Aí o nome “Desnorte” surgiu disso, porque ficou uma coisa desnorteada. Não no mau sentido, mas em um sentido que a palavra não tem exatamente, de encontros improváveis. Ficou muito interessante porque não é temático. O tema na verdade sou eu. 

 

Dando um Google no seu nome, uma das primeiras menções te cita como fotógrafo de famosos, o que soa até engraçado para alguém com toda a sua bagagem. Quando você olha para esses 50 anos, que reflexão você faz sobre seu trabalho?

Eu não gosto disso [ser chamado de fotógrafo de famosos]… Curiosamente, agora acabei de ler uma biografia do Richard Averdon, que é talvez o fotógrafo americano mais influente na segunda metade do século 20, e ele passava por essas mesmas questões, guardadas suas proporções, óbvio, né? Ele também estava inserido no mercado e tinha um trabalho pessoal de retratos muito forte. Mas você dava um Google, vinha “fotógrafo de celebridades”, e ele ficava p. da vida, mas você não pode negar que isso é também uma faceta… Eu a mesma coisa. Isso faz parte da minha história. Pequena. Ela parece o todo porque alimenta a minha persona pública. Circunscrito ao meio dos fotógrafos, dos artistas visuais, o meu trabalho é muito mais respeitado, eu acho, pelas coisas que eu inventei mesmo. O trabalho de apreensões policiais [livro “Apreensões”, 2010], o “Belvedere” [livro de 2013], que são evocações da minha infância nas passagens pelas estações climáticas de São Paulo ou de Minas Gerais, o “Antifachada-Encadernação Dourada” [livro de 2004], que é um passeio por São Paulo e por fotos da minha vida pessoal, o “Nósoutros” [2017], que são as pessoas atravessando a rua mundo afora, enfim, esses trabalhos acoplados ao meu trabalho comercial… 

 

Imagino que ter ido trabalhar em Nova York deve ter sido muito bom para o seu currículo. Mas o quanto ter estudado ciências sociais e ter sido criado no Bom Retiro, bairro tão emblemático de São Paulo, abriu o seu olhar para a fotografia? 

Tudo isso foi criadouro da minha personalidade, além da minha própria natureza. A minha filha estudou fotografia também. Quando eu fui na formatura dela, em Nova York, fui o paraninfo da turma. Eu disse o seguinte: “Quantos de vocês aqui falam inglês?”, aí todo mundo levantou a mão. “Quantos de vocês aqui escrevem em inglês?”, e todo mundo levantou a mão. “Quantos de vocês aqui são escritores?”, e ninguém levantou a mão. Fotografia é a mesma coisa. Quantas outras pessoas fotografam? Quantos são fotógrafos? Porque o fotógrafo tem que ter os mesmos elementos de um escritor. Imaginação, técnica, estilo, um pacto com a audiência, com o espectador, com o leitor. O mais importante da fotografia é quem está atrás da câmera.

 

 

 Com você a fotografia foi amor à primeira vista ou é verdade que você queria ser jogador de futebol?  

Eu queria ser jogador de futebol quando era moleque, jogava bem, mas não era assim excepcional [risos]. Fotografia para mim foi uma contingência, não foi uma convicção. Eu fui trabalhar em um estúdio de fotografia da editora Abril quando eu tinha 16 anos porque foi o emprego que eu consegui quando meu pai morreu. Fui estagiário. Não gostava muito. Ficava falando “coisa chata”. Mas fui aprendendo. Andava em um círculo de amigos que tinham recursos, eles tiravam férias, eu não podia porque estava trabalhando. Porém muito cedo eu já tinha meu ofício, ganhava meu dinheiro e, com 17, 18 anos, já era fotógrafo. Eu digo que fotografava de urubu a cobra d’água. Mas eu tinha uma renda, ajudava minha mãe. Eu pensava “isso aqui é passageiro na minha vida”. 

 

Aí você foi para Nova York? 

Isso foi bem depois, eu já tinha 27 anos. Tinha um estúdio. Larguei a faculdade no quarto ano. E aí a vocação que eu não tinha apareceu, fiquei um pouco obsessivo. Queria me aperfeiçoar. Fui para Nova York na louca. Vendi tudo que eu tinha. Um carro, câmeras. Eu não queria fotografar, eu queria ser assistente. Dei sorte. Mandei carta para cinco fotógrafos, um respondeu, o Bill King. Isso realmente mudou minha vida. 

 

 

Aí quando você voltou para o Brasil já era outra história… 

Tinha esse marketing em torno de ter trabalhado com Bill King e o fato de eu ter vivido uma experiência forte, ganhado autoridade sobre o meu trabalho. Consegui ir me impondo aos poucos.  Eu acho que um fotógrafo demora muito para se formar. Pode ter na juventude laivos de arrebatamento, mas para ter consistência é uma formação demorada.

 

Sobre as enchentes que atingiram o seu estúdio, como está o processo de restauração das fotos? Foi feito um congelamento do material? 

 

Quando aconteceu a inundação anterior, em 2005, eu perdi muita coisa e foi menor do que essa em 2020. Eu não acreditava que fosse ter de novo. Aí teve e o IMS [Instituto Moreira Salles] me ajudou nesse processo. Eles colocaram 15 pessoas no meu estúdio durante 10 dias. A bibliografia do IMS dizia que até 72 horas depois você consegue salvar tudo se congelar. Depois disso não dá. Mas quando nós conseguimos entrar no estúdio, faltavam 16 horas para completar 72. A gente entrou numa loucura. A perda foi muito pequena. Agora preciso de um financiamento para descongelar. É um outro processo, custa uns R$ 400 mil. 

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