“A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”, escreveu Gabriel Garcia Marquez. Assim termina o meu ano, pois eu não faço a menor ideia do que vivi, mas lembro de alguns dias, trechos, dores, alegrias, sensações. Aposto que você que está lendo essa coluna também está atordoado. É, você mesmo aí, que caiu com seus olhos em cima das minhas palavras. Sinto teu olhar percorrendo cada letra. Enquanto estás aqui, eu devo estar pedalando pelo aterro do flamengo ou tomando um sol no arpoador. Mas te garanto que vou sentir tua leitura à distância. É uma delícia ser lida. Sinto cócegas.
Certamente foi um ano desafiador pra ti também. Estamos todos no “campo de concentração dos sobreviventes de uma pandemia histórica”. Ainda perdidos, com a memória turva. Mas recordar fragmentos é como montar um quebra-cabeça de mil peças. Impressionante como depois do caos elas se juntam, né?!
As portas de um novo ano estão abertas, e é preciso coragem para atravessá-la, deixando lá trás o que vivemos, opa, o que recordamos! 2021 foi um ano desafiador pra muitos, e exatamente por isso, será inesquecível. Lembro do frio na barriga ao tomar a vacina. No dia seguinte pedalei do flamengo até o Vidigal, me senti com superpoderes. Meu corpo estava eufórico, derrotando o medo. Recordo também da visita da minha mãe, e do seu abraço quente e acolhedor, após meses sem poder tocar na pele da pessoa que mais amo no mundo. Ela e meu pai estão vivos, e isso é muita coisa!
Me esforço pra lembrar de outras coisas. Um vento no rosto. Fisioterapia no joelho esquerdo. Uma viagem ao Matutu, na serra mineira. O calor do forno à lenha. A textura do pesto de beterraba que aprendi a fazer. O novo disco do Caetano, o retorno ao circo voador. Muita gente com medo de voltar a sentir alegria.
Continuo sem lembrar nitidamente o que vivi, mas sinto. E sinto muito. Meu peito retém sangue. Aperta. Virei bruxa, com uma intuição inconveniente. Eu lá, querendo me iludir num casulo gostoso, e uma voz gritando nos meus ouvidos: “Vem! Tô aqui no teu futuro. Desapega, solta, vem que aqui tá lindo. Tem uma paz sofisticada pela dor do que passou. Vem, Leila!”. Eu vou!
Vá também. Corra na direção do teu eu que já está lá em 2022. É isso que desejo pra todos nessa virada de ano: recorde só o que for bom, e viva muito para poder contar!
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