Baby, há quanto tempo

Leila Loureiro traz saudosas memórias da juventude

19/11/2022 09:00 / Por: Leila Loureiro / Foto: Divulgação
Baby, há quanto tempo

Lembro do teu sorriso na praça do Carmo, reduto “descolado” de Belém.

“Salomão, toca Chico Buarque!”, você pedia com um cigarro na mão.

Os discos de vinil do dono do bar

tocavam à exaustão. 

Acho que o nome do bar era “nosso recanto”. 

Me disseram que Salomão partiu. 

Lembro também do bar da Walda, ponto de encontro de jornalistas e artistas.

Seus olhos brilhavam.

Tua pele reluzia.

E não era só o colágeno 

dos nossos 20 anos.

Havia uma alegria na tua alma.

Mesmo com o abandono do seu pai (que hoje defende a “família”),

chorávamos nossos complexos parentais.

Família é isso mesmo. 

Berço de toda dor e amor.

Lembro da gente na Oca do Tarzan.

Lua cheia, beira do mar.

Aquela cachaça com ervas.

Tu ficaste revoltada porque prenderam o dono da Oca.

“Injustiça! Ele não faz mal a ninguém. Só anda pelado pelas dunas e bota Janis Joplin pra galera dançar”.

Eu amava tua humanidade e leveza.

Éramos uns felizes!

E lembra quem estava governando o Brasil? Você sabe! 

Não falávamos sobre política,

Mas tudo era político. 

Do alto de nossos privilégios, ouvíamos Pink Floyd nos carros que ganhamos de presente:

“We don't need no education

We don't need no thought control”.

O tempo passou e você casou.

Eu tava lá. Que festão! 

O colchão na varanda do Farol Velho, deu espaço a uma meta social a ser batida: a varanda gourmet e o carro SUV.

A maturidade chega.

Responsabilidades batem à porta.

Eu também amadureci. Mestrado. 

Três empregos paralelos. Palestras. 

Casa própria. Investimentos.

Demos certo na vida!

Mas jamais largo a mão da jovem que fui. 

Ela segue exatamente a mesma.

Cabeça nas nuvens e pés no chão.

Tenho um parceiro há 7 anos.

Meus pais vão completar bodas de ouro, acredita?!

Sempre fomos família.

Sempre fomos brasileiros.

Sempre vimos a santinha passar juntos. 

A fé não costuma falhar!

Assistimos juntos ao filme “tropa de elite”, lembra?! Um dvd pirata, porque ninguém é santo. 

Torcemos pelo capitão Nascimento, o herói contra a milícia carioca. 

Vibramos com o defensor de direitos humanos que se uniu ao capitão.

“O sistema é foda, parceiro!”

Sua versão jovem ficaria chocada com medalhas de honra aos milicianos.

Não defenderia armas, nem seria contra a arte.

Nós jamais estaríamos do lado oposto de Caetano, Gil, Chico, Bethânia…

Ou minha juventude foi uma farsa?

Cadê aquela alegria no teu olhar? 

Você amava Elis Regina.

“Já faz tempo, eu vi você na rua/

Cabelo ao vento, gente jovem reunida/

Na parede da memória/

Essa lembrança é o quadro que dói mais”. 

Há 12 anos moro fora da minha Belém.

Mas sempre que passares pela praça do Carmo, estarei sentada te esperando, enquanto a música 

ecoa na cidade velha:

“Comigo vai tudo azul

Contigo vai tudo em paz(?)

Vivemos na melhor cidade 

da América do Sul”

Salomão, por favor, dá um beijo na Gal!

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