A vizinha gritava com o marido e eu já corria pra subir no vaso do banheiro e espiar pela janelinha que dava direto pra cozinha alheia.
Quem nunca teve curiosidade de ouvir as intimidades dos outros ecoando pelas ruas? Esclareço que não estamos falando de agressões físicas e demais violências. Nesse caso, todos devem meter a colher e chamar a polícia, considerando o alto índice de feminicídio em nosso país.
Aqui eu me refiro às tretas, aos “Casos de família” na TV e internet, que invadem nossas telas e roubam nossa atenção, fato que me remete, de imediato, ao pensamento do filósofo Arthur Schonpenhauer que dizia: “poucas coisas deixam as pessoas tão satisfeitas quanto ouvir a desgraça alheia”. O filósofo afirma “ser uma alegria para nós ver males que não nos atingem” e cita um poema de Lucrécio (poeta romano do século I a.C.) em que alguém se diverte na praia olhando pessoas lutando numa tempestade ao mar.
No campo do Direito chamamos essas “tempestades” de “espetacularização das rupturas familiares”. Um fenômeno que ganhou força em tempos de “evasão” de privacidade. Todos gozam com a dor alheia, apedrejando possíveis culpados (podendo a pedra ser atirada, inclusive, em quem denuncia). Como advogada, não tenho outra saída, a não ser confiar no Estado Democrático de Direito, no qual a única via competente para solucionar desvios de conduta é o Judiciário, respeitando-se o contraditório e ampla defesa. Do contrário, viveríamos no ambiente de barbárie.
No entanto, cada vez mais pessoas buscam o alívio de suas dores através do “exposed”, que consiste na nova onda digital que denuncia um crime ou ato questionável nas redes sociais. Recentemente, acompanhamos uma grande “briga de vizinhos”: de um lado a atriz reclamou, com legitimidade, da falta de pagamento de pensão e ameaças do pai de seus filhos, e de outro lado, o pai está lidando com o risco de vida de sua filha recém-nascida, enquanto tem seu “caráter” exposto. Do outro lado também tem uma mulher que acabou de parir. Quem ganha essa batalha? Ninguém. Todos perdem.
Como especialista em direito das famílias, jamais orientaria um(a) cliente a expor sua intimidade nas redes sociais. Os filhos acabam sofrendo na intimidade e fora de casa, pois a rua inteira está sabendo e os amiguinhos tiram aquele sarro. Não por acaso, as ações de família tramitam em segredo de justiça, com o nobre interesse de preservar os filhos. É no judiciário que se “enquadra” o pai irresponsável, inclusive, com provas que ele produz contra si nas redes.
Sabemos o quanto é difícil lidar com pais ausentes e ex-companheiros irresponsáveis. Vivemos num país extremamente machista, onde quase 6 milhões de crianças não possuem o nome do pai na certidão de nascimento. Ciente disso, a melhor ferramenta não está no “tribunal do Instagram ou Twitter”, que pode gerar danos morais ao genitor(a), ferindo-se a intimidade e privacidade, inclusive, dos filhos menores. Linchamentos em praça pública são sempre perigosos.
Atendo mulheres vulneráveis que suportam o inimaginável com os pais de seus filhos. Ainda que eu lhes garanta os direitos devidos nas varas de família, os complexos parentais permanecem (mesmo em famílias nas quais os pais vivem casados). O debate pode - e deve - ser público, só não precisa violentar a intimidade dos menores.
Diante de tanta barbárie nas redes, sabemos da importância de se instalar softwares que controlam o acesso de crianças à internet, no entanto, com tanto “barraco familiar” ao vivo, não há controle parental que proteja os filhos, quando o descontrole emocional dos pais está ativado.