Arte e Cultura
Homenagem
Era um teste.
Era 7 de setembro de 1922. As cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo estavam em festa porque celebrava-se o primeiro centenário da Independência do Brasil. O governo brasileiro vivia um momento crítico [político e, principalmente, econômico], atribuído ao período pós-1ª Guerra [1914-1918]. Entretanto, o então chefe da nação, Epitácio Pessoa, não poupou esforços para comemorar a data como convinha. Tratava-se muito mais de mostrar ao mundo [e a Portugal, especialmente] que o Brasil não era mais uma colônia... e, por ocasião da data solene, Epitácio Pessoa transformou completamente a paisagem da então capital federal, o Rio de Janeiro, que abrigou a Exposição Universal do Rio de Janeiro, em alusão à data.
Semanas antes, técnicos da Westinghouse Electric desembarcaram no Brasil trazendo enormes contêineres com equipamento “de ponta”, o “último grito” em radiodifusão.
Empresários norte-americanos que trouxeram a tecnologia da radiodifusão para demonstração fizeram testes de transmissão e instalaram uma estação e uma antena no topo do morro do Corcovado.
A hora do teste chegara.
Se para nós, hoje, o acontecimento da época não “soe” tão impactante, uma vez que temos à nossa disposição iPads, iPods, iPhones, aos brasileiros da década de 20 do século passado, foi um misto de terror e espanto, quando a voz do presidente da nação fez-se ecoar em alto-falantes.
No discurso à população presente no Aterro do Flamengo, Pessoa declamava as vantagens daquela recém-chegada tecnologia. O pronunciamento oficial do então chefe da nação foi seguido de “O Guarani” [opera do compositor Carlos Gomes, campinense de nascimento, mas que passou seus últimos de vida em Belém] não foi ouvido somente pelos que encontravam-se no local: algumas pessoas da sociedade carioca também puderam ouvir, em suas casas, o discurso, por meio de aparelhos receptores.
O teste fora um sucesso e a data marcava também a primeira transmissão radiofônica do país. Dias depois, as famílias também puderam ouvir óperas transmitidas ao vivo, diretamente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Há relatos de que a transmissão chegou a Niterói, Petrópolis e em São Paulo.
Embora impactante, as transmissões foram interrompidas algum tempo depois – faltava um projeto mais consistente, que pudesse garantir continuidade a elas. Naquele mesmo dia, um entusiasmado apaixonado pela tecnologia, o médico e cientista Edgar Roquette Pinto [1884-1954], considerado o pai da radiodifusão no Brasil, exclamou efusivamente: “Eis uma máquina importante para educar nosso povo!”.
Roquette Pinto então iniciou uma missão hercúlea: tentava convencer o Governo Brasileiro a adquirir os mesmos equipamentos apresentados no dia 07/09/22, mas foi em vão. A Academia Brasileira de Ciências, entretanto, cedeu aos seus apelos e comprou toda a aparelhagem. Nascia, então, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, dirigida pelo próprio Roquette-Pinto, juntamente com Henrique Morize [e que anos mais tarde tornar-se-ia a Rádio MEC]. A programação incluía óperas, concertos, recitais de poesia, saraus e palestras – ou seja, refletia bem o meio em que se difundia e estava bem longe de ser um meio popular. A rádio sobrevivia por meio de doações de ouvintes [em grande parte, da alta sociedade], mas a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro é reconhecidamente a primeira emissora de rádio brasileira.
Financiada por doações de ouvintes, é reconhecida como a primeira emissora de rádio brasileira. Mas, em 1919, a pioneira emissão radiofônica teve lugar no Recife, por meio das ondas da Rádio Clube de Pernambuco - inaugurada em fevereiro de 1923.
“A verdade é que durante as solenidades comemorativas de 1922, muito pouca gente se interessou pelas demonstrações então realizadas pelas companhias Westinghouse (Estação do Corcovado) e Western Eletric (Estação da Praia Vermelha). Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados nas torres do Serviço de Meteorologia (Pavilhão dos Estados). Eram discursos e músicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores conseqüências. No começo de 1923, desmontava-se a estação do Corcovado e a da Praia Vermelha ia seguir o mesmo destino se a Governo não a comprasse. O Brasil ficaria sem rádio. Eu vivia angustiado porque já tinha a convicção profunda do valor informativo e cultural do sistema, desde que ouvira as transmissões que foram dirigidas na época pelos engenheiros J.C. Stroebel, J. Jonotskoff e Mario Liberalli. Uma andorinha só não faz verão; por isso resolvi interessar no problema a Academia de Ciências, presidida pelo nosso querido mestre Henrique Morize. E foi assim que nasceu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a 20 de abril de 1923.”
- Roquette Pinto –
Polêmica, ó radiofônica polêmica
Embora muitos teóricos e estudiosos reconheçam que Roquette Pinto tenha fundado legalmente a primeira emissora radiofônica do Brasil, a Rádio Clube de Pernambuco, segundo registros de jornais da época, já operava desde 06 de abril de 1919. Fundada em 6 de abril de 1919 pelo radiotelegrafista Antônio Joaquim Pereira, a emissora é tida como a primeira emissora de rádio do Brasil e a polêmica está instalada [aliás, a própria “invenção” do rádio é polêmica].
O nome “Rádio Clube” preconizava o sistema que seria responsável por sustentar as emissoras – que nasceram como clubes e sociedades [a legislação da época proibia a publicidade, logo seus associados/ouvintes sustentavam as rádios]. No Brasil, o rádio começou como empreendimento da sociedade civil organizada.
O fato é que, influenciadas pelo empreendimento de Roquette-Pinto, logo não demoraram a surgir outras rádios amadoras em cantos distintos do país.
Entre as primeiras do Brasil, uma emissora do Pará
A Rádio Clube do Pará, a quinta do país, foi inaugurada no dia 22 de abril de 1928 e ficou conhecida em toda a região Norte prefixo “PRC5 – A voz que fala e canta para a planície”, incorporado à razão social da emissora.
Segundo o site “O Pará nas ondas do rádio” [programa da Faculdade de Comunicação, da Universidade Federal do Pará], “a Clube funcionou pela primeira vez em uma casa no Largo da Trindade, no bairro da Campina. Ela operava com um transmissor montado artesanalmente, que passava a maior parte do tempo no conserto. A Rádio chegou a ficar uma semana fora do ar. A programação era exclusivamente de músicas clássicas, o vitrolão, que refletia o gosto da elite ouvinte da Rádio. Os discos foram doados por esse público. Depois, a emissora passou a funcionar em um prédio atrás do Cine Olímpia. A Clube não apenas mudou de endereço, mas a programação passou a ser mais organizada”.
Mas é preciso voltar um pouco no tempo para saber que a chegada do rádio no Pará deu-se graças a três homens empreendedores: Edgar Augusto Proença, Eriberto Pio [uma das vozes mais bonitas que o rádio paraense já ouviu] e o advogado Roberto Camelier.
Roberto Camelier, um homem à frente de seu tempo.
A Família Camelier, no começo do século passado, detinha nome, técnica e um grande estaleiro [localizado bem em frente à Praça do Arsenal, o Palacete Camelier tinha em seus fundos a enorme oficina para embarcações de médio e grande porte].
O jovem Roberto Camelier ajudava a mãe – Mary Camelier – a conduzir os negócios familiares, mas passava boa parte de seu tempo livre na oficina e, entre ferramentas, ia aperfeiçoando seu conhecimento [ao passo de que aumentava seu amor] pela radiodifusão. Ele era um estudioso e tornou-se radioamador, em meados da década de 20 do século passado. Queria saber, em detalhes, dos experimentos desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos – fazia contatos, lia incessantemente sobre o tema e logo estava no Rio de Janeiro, trocando experiências e fazendo contatos – inclusive com o médico e cientista Roquette Pinto.
O advogado “gorducho” tinha uma personalidade cativante e sua paixão pela eletrônica e broadcasting contagiava todos – e mesmo tendo o coração fisgado pelo tema, Camelier dedicou-se à carreira de “doutor” e atuou intensamente no interior do Pará e no Rio de Janeiro como delegado [onde vivem até hoje seus familiares].
Camelier liderava um grupo de igualmente apaixonados pelo ofício da Radiodifusão e, em 1928, com caráter de clube, fundaram a Rádio Clube do Pará. Como diretor técnico da emissora, era muito comum Camelier passar dias inteiros dentro da rádio – sendo, sem exagero algum, o grande responsável por [re]colocar a emissora no ar.
“Generalíssimo da radiofonia paraense”
Assim Edgar Proença costumeiramente se referia ao amigo e sócio, Roberto Camelier, em entrevistas – os periódicos da época acompanhavam com avidez e natural curiosidade os fatos relacionados ao universo radiofônico paraense.
A trinca, formada por Proença, Camelier e Eriberto Pio, foi a grande responsável por manter, ao longo das quase duas décadas seguintes, a hegemonia da Rádio Clube do Pará – já que de 1928 a 1945, a emissora paraense foi a única emissora a funcionar em toda a Amazônia.
Apesar de todo o talento e esforços, a Rádio Clube do Pará atravessou um momento, que seria o divisor de águas: com o fim do governo de Magalhães Barata, a emissora perdeu muito de seu apoio político [e financeiro] e anunciou, em meados da década de 30, que fecharia as portas e faria sua última transmissão radiofônica... mas era amada e sendo parte da família paraense, foi salva após centenas de doações de comerciantes, empresários, pais de famílias, ouvintes simples e mesmo políticos.