Uma prosa com Elza

A fotógrafa paraense conversa com o Portal LiV sobre carreira e momentos marcantes

19/08/2022 15:43 / Por: Laylton Corpes / Fotos: Leonardo Lima
Uma prosa com Elza

Em 19 de agosto, comemora-se o Dia Mundial da Fotografia. A data marca a primeira apresentação pública do Daguerreótipo, embrião das máquinas fotográficas, na Academia de Ciências da França, em 1839. Desde então, o ato de registrar momentos, dos mais singelos aos mais marcantes, faz parte de nossas vidas. 


Tão importante quanto a fotografia, é aquele que a faz de forma profissional. Os fotógrafos recebem a missão de captar aquele segundo que não pode ser perdido, de eternizar celebrações e captar a subjetividade, com tudo aquilo que passa despercebido no cotidiano. 


A fotógrafa Elza Lima é uma das pessoas. Em atividade desde 1984, a profissional tem como foco de seu trabalho as tradições culturais e o cotidiano das populações ribeirinhas no Pará. Festas tradicionais, artesanato, moradias, brincadeiras infantis e até a presença da modernidade em locais mais analógicos são também temas explorados no acervo da artista.  




Elza visitou entre 1996 e 1999, oito tribos indígenas dos estados do Pará e Maranhão, registrando o modo de vida dos povos tradicionais. Também já expôs em Nova York, Espanha, França, Suíça, Alemanha e Portugal, e foi vencedora das 7ª, 10ª e 11ª edições do Arte Pará. 


“Fotografia é calma”, declara. Cheia de histórias para contar, a artista dividiu com o Portal LiV um pouco de sua trajetória e projetos, além de mostrar “Corpos D’Água”, sua nova exposição que está na Casa Namata até o dia 04 de setembro, com realização do SESC.


Como você começou na fotografia?

Tudo começou quando eu ganhei uma máquina, e tinha filhas pequenas. Então, eu queria documentar aquela parte da vida delas que não se guarda muito bem na memória. Logo depois eu fiz esse primeiro curso, na Fotoativa*. Já entrei documentando a Cidade Velha e aí quando eu me vi, já estava fotógrafa (risos). Foi muito importante a Escola Fotoativa na minha vida. Eu era muito fã do Luiz Braga, como sou até hoje. Eu ia em todas as exposições dele sem nem imaginar que mais tarde um pouquinho iria virar fotógrafa. Acho que a primeira influência na vida assim de um trabalho que me emocionou foi o do Luiz. Aí me encontrei com a Fotoativa, com Miguel, Mariano, Otávio, Ana Catarina, Rosário, Cláudia Leão, Flávia… Um monte de gente que viria a caminhar com a história da fotografia.


*A Fotoativa foi um curso de fotografia, em 1984, coordenado por Miguel Chikaoka.


O que você tenta passar em seus trabalhos?

Eu acho que a minha relação com a Amazônia influenciou muito no meu trabalho. Eu viajava com meu avô quando criança, e ele me incentivava muito a visão [fotográfica]. Quando me vi com a fotografia eu quis ir ver se aquilo que eu guardava na memória da infância existia ou se era sonho meu, ou se eu havia inventado [...] Foi assim um mundo que abriu pra mim. A maioria dos meus trabalhos são feitos no Baixo Amazonas. Me apaixonei e não houve jeito de largar.


Qual o significado da fotografia para você?

Até hoje eu tenho um entrosamento, uma ligação muito forte com a fotografia, a ponto até de as palavras me faltarem. Eu acho que a fotografia me trouxe um conhecimento da natureza muito grande, das pessoas… Me lembro que quando eu voltei da primeira viagem que fiz à Amazônia, fiquei encantada com a sabedoria popular. Me abriu um mundo que hoje, eu fico pensando “gente, todo mundo deveria viver isso que eu vivi, né?” Se entranhar nas trilhas indígenas, na Amazônia inteira ainda, como é o caso de quando eu viajei pelo Nhamundá. Há ainda bolsões na Amazônia que estão inteiros, e quiçá a gente consiga salvá-los. A fotografia me abriu um leque do mundo que eu acho difícil em outro lugar eu ter acesso.




Quando você vai fazer o registro de alguém, o que você procura?

O momento! O que me chama atenção sempre é alguma coisa que está ali dentro da espacialidade que eu elegi pra fotografar, algo que me chame atenção. Eu não sou só de bater uma foto, não sou daquele momento decisivo, não. Eu rodeio o espaço e o tempo, deixo ele fluir para que as coisas naturalmente aconteçam.


Em suas obras notamos alguns elementos que se destacam bastante, que são a água, a vivência de personagens negros, indígenas, ribeirinhos e também o preto e branco. Qual a razão para a escolha desses elementos?

Até o ano 2000, eu só fotografei em preto e branco, que inclusive é o meu livro publicado pela Ipsis, um trabalho que eu fiz em analógico, tudo em preto e branco. Quando eu fui fazer em 2010 o “O Lago da Lua ou Yaci Uaruá- As Amazonas do Rio Mar”, que ganhou o prêmio Prêmio Funarte Marc Ferrez, eu entendi que para falar da lenda eu teria de ter a cor, porque como eu li sobre muitos viajantes, eles falavam assombrados da transparência do rio, da cor do final de tarde, dos bichos... Aí eu entendi que era necessário para esse trabalho a cor, porque eu estava me baseando nos viajantes para poder fazer o trabalho da atualidade. Essa necessidade vem em cima do trabalho e a partir daí eu continuei a fotografar. No caso aqui, com a exposição “Corpos D’Água” onde eu falo da pesca, dos peixes, tem que ter as cores dos peixes, as estéticas…


Você já expôs em muitos países. Qual foi a exposição mais marcante para a sua carreira?

Eu acho que a minha exposição mais marcante e que me tocou muito, não sei se por conta da Covid, foi a da FIESP no ano passado, e que ficou seis meses ali na Av. Paulista. Nós ficamos dois anos fechados, e essa exposição iria abrir junto com essa aqui [Corpos D’Água] e então tudo foi suspendido e eu só pude ir no último dia. Quando eu chego lá na na exposição, era uma retrospectiva do meu trabalho e um pedaço da atualidade. O que me encantou primeiro foi a cor escolhida, que era a cor dos rios da Amazônia, e eles fizeram de uma forma que parece que tu andavas no rio. Quando eu vi a imagem, me deu um impacto, porque fiquei sensível na questão de não saber se ia sobreviver. Acho que marcou muito mais pela época, mas também pela forma como ela foi montada e trabalhada. Quem fez a montagem foi o Eder Chiodetto, que foi o curador e além dele toda a equipe foi muito sensível, o arquiteto que montou, que escolheu a cor. E ainda estavam meus amigos, todos os meus mestres da fotografia, então foi muito emocionante.


 

"A fotografia me abriu um leque do mundo que eu acho difícil em outro lugar eu ter acesso." 


Como foi a transição para a fotografia digital?

Eu estou rezando para que um dia o celular tenha a qualidade da máquina, porque eu acho maravilhoso o celular! Tu estás ali com ele na bolsinha e pode pegar aquilo que tu queiras. Eu acho que ainda não chegou na qualidade de uma grande imagem, mas um dia chega. Eu não tenho nenhum problema com celular, assim como não tive problema com [câmera] analógica, a não ser as primeiras máquinas que eram de baixa qualidade, então a gente teve muito trabalho, mas que hoje tudo pode ampliar. Essa virada realmente foi meio traumática pela qualidade da imagem e pela conservação da imagem. Mas eu não vejo nenhum problema não, né? Só sinto saudade quando eu entro no laboratório, o cheirinho, quando eu vejo negativo (risos). Mas de resto, eu não tenho problema, não. Acho que temos que nos adaptar ao tempo. 


Para o futuro, quais os projetos?

Eu estou com a possibilidade de encerrar o projeto Corpos D’Água em Portugal agora em outubro. E no meu próximo trabalho, estarei refazendo a viagem do meu bisavô, Inácio Moura, de Belém a São João do Araguaia, que era fotógrafo também, engenheiro, líder dos estudantes, poeta, crítico de arte… Então acho que está no tempo de homenageá-lo. 


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