Homo Bipolaris

Colunista discute sobre polarização política

09/11/2022 17:47 / Por: Celso Eluan / Fotos: Divulgação
Homo Bipolaris

Não restam dúvidas: as eleições de 2022 mostraram um país dividido, muito mais que em qualquer outra época. Seria muito simplista afirmar que estamos polarizados nos extremos do espectro político, o Brasil e o século XXI são muito mais complexos do que essa definição que remonta a Revolução Francesa há mais de 200 anos.

O que particularmente me incomoda é o reducionismo às duas bandeiras, como se fosse um simples RE x PA. Ou você é Remo ou Paysandu, não se aceitam outras posições. Não por acaso os mesmos vendedores de bandeiras e símbolos dos clubes faturam vendendo os símbolos políticos de cada ala. As justificativas para escolher um clube de futebol não são racionais, é uma decisão emotiva e pouco afeta o futuro de cada um ou do país. Não deveria ser assim na política.

Primeiramente deveríamos entender a divisão de poderes típica das democracias. Três poderes independentes e nenhum deve se sobrepor ao outro atuando em harmonia pelo bem comum. Esse é o princípio constitucional e deve ser mantido o equilíbrio e vigilância mútuos. Ocorre que nossas crenças sebastianistas nos levam a imaginar que o chefe do Executivo tudo pode e a ele cabe o poder total como nas monarquias da Idade Média.  O Salvador da Pátria, independente de que lado estiver.

O Poder Executivo deve atuar como o gestor de uma empresa, não deveria caber a ele legislar, mas tão somente ter o modelo mais adequado de gestão para atingir o melhor resultado na aplicação dos recursos dos contribuintes. Direita e esquerda divergem neste aspecto no que tange a maior ou menor interferência do Estado nestas ações. Aqui identificamos os liberais, associados à direita, dos intervencionistas que pedem um Estado forte como marca da esquerda.

A pauta de costumes separa os conservadores dos liberais, só que os liberais nos costumes agora se identificam com a esquerda e os conservadores estão alinhados com a direita. No entanto, o embate de costumes é uma questão da sociedade e não de governos, muito menos do Executivo. A sociedade está representada pelo Congresso, o Poder Legislativo e a ele deveria caber discutir estas questões sociais. Nunca deveria ser agenda do Executivo decidir sobre aborto, casamento gay, liberação das drogas, posse de armas e afins. Essa é uma legítima atribuição do Legislativo e hoje confundimos o voto no Executivo com essa pauta. Deveríamos escolher melhor nossos representantes no Congresso para que eles falem por nós o que pensamos sobre costumes.

Além da questão econômica (que envolve a gestão dos recursos) e a pauta de costumes, outras variáveis identificam os polos. A religião é outra divergência, identificando-se a direita atual com a crença em Deus e a bandeira religiosa opondo-se à esquerda que tradicionalmente omite essa questão do debate ideológico. Mas na nossa Constituição está grafado que o Estado é laico, portanto esta não deveria ser uma questão para se tomar partido em nossas eleições.

Há ainda o posicionamento quanto à família, diferenciando-se a direita defensora do modelo tradicional de pai, mãe e filhos e a esquerda simpática a novos arranjos familiares.  Novamente, esta não deveria ser uma questão para se avaliar pretendentes ao Executivo, nenhum presidente tem o poder da caneta para interferir nesse tema. Mesmo que usasse da prerrogativa do Decreto Lei teria que ter aprovação do Congresso, a quem de fato cabe a discussão e decisão junto com a sociedade.

Para não estendermos, o mundo hoje vive sob a sombra do impacto climático comprometendo o futuro do planeta. Além disso, tem a preocupação com uma sociedade mais justa e a governança anticorrupção, temas abrigados na sigla ESG, abraçados pelas corporações mundo afora. Curioso é que esse receituário foi cravado como política de esquerda e por causa disso tem sido perseguido por governos republicanos nos EUA. No entanto, o ESG foi adotado pelas empresas como reação ao desejo dos consumidores, uma resposta das corporações para não perderem mercado principalmente junto às novas gerações, mais sensíveis ao tema. Ou seja, não é a visão política de governos ou partidos que tem provocado à adesão das empresas, mas o consumidor, que assim como o cidadão deveria ser o senhor do seu destino.

Muitos que hoje estão divididos não percebem que podem defender bandeiras mistas e assim não pertencerem ideologicamente a nenhum extremo. Aliás, acho que a imensa maioria do país tem este comportamento. Eu, por exemplo, me defino como liberal na economia e nos costumes, creio que o país deva ter um governo laico, apoio a bandeira ESG, creio que sexualidade, religião e seu time de futebol são questões pessoais que devem seguir sem interferência do Estado e acredito que um presidente ou governador tem que ser um ótimo gestor e não um líder de torcida. E você?


*A opinião dos colunistas não necessariamente reflete a opinião do Portal 

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