Crítica: Barbie

Gustavo Fiaux faz uma análise sobre a sensação do momento

22/07/2023 16:35 / Por: Gustavo Fiaux
Crítica: Barbie

Lançada originalmente em março de 1959, a Barbie se tornou um dos maiores brinquedos da história, dando a meninas um modelo para se inspirar. De lá para cá, muita coisa mudou - a boneca passou a ser mais inclusiva, com diferentes tons de pele e formatos corporais, além de diversas profissões - e tudo isso culmina em Barbie, filme de 2023 dirigido e coescrito por Greta Gerwig (Lady Bird, Adoráveis Mulheres).

Com menos de meia hora de filme, Barbie (Margot Robbie) deixa a Barbielândia e vai até o mundo real, para descobrir os motivos por trás de seu recente “mal funcionamento”. Em uma de suas cenas no mundo real, ela se depara com uma mulher idosa, a observa por alguns minutos e diz: “Você é tão linda”. E isso diz tudo que precisamos saber sobre essa versão da boneca mais conhecida do mundo e seu papel na sociedade.


Porém, engana-se quem pensa que o filme vem na mesma leva de dezenas de outras produções contemporâneas, onde a propriedade intelectual é içada em um pedestal inalcançável, inatingível e, acima de tudo, incorruptível.

O que Gerwig faz é traçar uma série de homenagens, tributos e - por que não - também críticas e reflexões acerca do papel da boneca e do que sua marca representou durante tantos anos. É uma abordagem ácida, satírica e que por pouco não mergulha totalmente no reino da autodepreciação, ao mesmo tempo em que é uma ode ao poder feminino e às histórias de mulheres.

Isso vem desde o berço do trabalho da cineasta, que sempre trouxe em alto e bom tom histórias protagonizadas por mulheres em sua filmografia. Se Lady Bird é um delicioso coming-of-age e Adoráveis Mulheres mostra a luta de uma família comandada por mulheres, Barbie por sua vez é uma desconstrução dos princípios femininos da popular linha de brinquedos da Mattel, com uma fachada propositalmente superficial e cheia de artifício.

O design de produção, os figurinos e até mesmo os efeitos visuais entendem o recado e abrem mão do realismo, optando por um mundo plástico e imerso em tons de rosa, mas a história não fica atrás. O roteiro escrito por Gerwig e seu marido, Noah Baumbach (História de um Casamento) não tem medo de soar conveniente e até mesmo bobo - na verdade, isso faz parte da estética e da proposta.

De muitas formas, é como se o filme fosse um sucessor espiritual do live-action de Scooby-Doo!, lançado em 2002 e dirigido por Raja Gosnell. No lugar da autocongratulação e o culto à propriedade intelectual, temos um filme que se permite brincar com seus conceitos e personagens, que dessacraliza a figura da Barbie para transformá-la em uma releitura contemporânea de Pinóquio - uma boneca que sonha em ser uma mulher de verdade e que, de muitas maneiras, alcança seu objetivo após uma longa jornada.


E nesse aspecto, vale mencionar como Ryan Gosling dá uma das melhores atuações de sua carreira como Ken, incorporando uma série de trejeitos e maneirismos que não só soam naturais ao boneco, mas que também aprofundam sua identidade - ou ao menos, a busca por uma.

Margot Robbie, por sua vez, dá o toque certo de humor e humanidade à Barbie, deixando-a em um local desconfortável, mas plenamente necessário. E ajuda muito que, ao longo do filme, podemos ver várias versões dos bonecos, incorporando a multiplicidade e a inclusão da franquia Barbie ao longo das décadas.

Emocionalmente falando, Barbie me atingiu como um soco no estômago. Se a arte do cinema é, acima de tudo, uma arte que permite nos colocarmos na pele de outro, Barbie nos deixa em um mundo rodeado de tons pastéis e plástico, apenas para nos defrontar com uma série de questões presentes no nosso mundo real - o patriarcado danoso, a submissão forçada de mulheres e, acima de tudo, as dinâmicas de poder que fizeram da Barbie um sucesso incalculável para jovens meninas com grandes sonhos.

E ainda que o filme não se sustente em cima de easter-eggs e referências à cultura pop, há um tom jocoso muito bem vindo sempre que algo é citado. Há uma referência a Liga da Justiça de Zack Snyder que me fez engasgar com energético e, por poucos segundos, pensei na morte tal qual a Barbie.


Mas, no fim das contas, o mais impressionante é como Greta Gerwig - junto com seu talentoso elenco e sua talentosa equipe de produção - conseguem dar forma a um mundo artificial sem deixar de lado a humanidade. Em uma era em que os super-heróis não se importam com o destino de meros civis, é reconfortante ver a Barbie motivada por duas pessoas normais, que transitam livremente na história sem soar como “peso morto” em um grande universo compartilhado.

Em 1997, o grupo pop Aqua lançava seu hit de sucesso “Barbie Girl”, onde em meio a uma profusão de sons sintéticos, ouvimos frases como “a vida plástica é fantástica!”. Mais de duas décadas depois, temos a comprovação de que sim, a vida plástica de fato é fantástica - mas há muito mais além disso, e se até uma boneca pode sonhar em se tornar uma pessoa, por que nós não podemos sonhar com uma sociedade mais igualitária e um cinema que, mesmo com seus artifícios e invenções, passa tanta humanidade ao público?

 Gustavo Fiaux deu ⭐⭐⭐⭐⭐

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