Pará, celeiro de vozes

Conheça as novas vozes do canto lírico paraense e os cursos que formam esses artistas aqui em Belém.

30/12/2021 14:03
Pará, celeiro de vozes

Naquela noite de 7 de agosto de 1880, quando estreou a primeira temporada de ópera do Theatro da Paz, com a montagem de Ernani, de Giuseppe Verdi, a plateia presente jamais poderia imaginar que estava sendo lançada naquele momento, naquela tão jovem, porém imponente casa de espetáculo com apenas dois anos de existência, localizada no coração da Amazônia, a semente que iria frutificar em um campo fértil de registros vocais de altíssima qualidade e na formação de uma plateia permanentemente sedenta pela ópera e pelo canto lírico, capaz de passar horas na fila para conseguir um ingresso para as apresentações, um fenômeno reconhecido nacional e internacionalmente. Não existe ópera sem casa cheia em Belém.

A origem deste tradicional interesse dos paraenses pela ópera e pelo canto lírico vem da época áurea da borracha. A riqueza gerada neste período foi tamanha que, no seu auge, já no século XVIII, Belém se transformou em um dos principais centros financeiros do mundo. Mas mesmo antes disso os recursos da exploração já possibilitariam, por exemplo, a inauguração, em fevereiro de 1878, do Theatro da Paz. A casa de espetáculo foi projetada à semelhança do Teatro alla Scalla, de Milão, e é reconhecida pela acústica impecável. Foi um teatro foi construído especialmente para receber o canto lírico.

Nos últimos 20 anos, tanto a formação de plateia quanto a descoberta de novas vozes para a ópera ganharam força com o Festival de Ópera do Theatro da Paz, criado pelo governo do Estado como parte da política de resgate da tradição operística de Belém e que se reinventa e se torna melhor a cada ano.  Reinvenção, aliás, é a palavra que vem caracterizando a vida no mundo nos últimos dois anos e a ópera não ficou imune a isso.

Com a pandemia, o Festival de Ópera, assim como as vozes paraenses,  precisaram se reinventar e o evento migrou para o formato digital, com apresentações, palestras e debates em ambiente virtual, além de dar um enfoque maior também para a formação de quadros técnicos e fortalecimento da cadeia produtiva da ópera no Pará. E como sempre é possível encontrar beleza mesmo em tempos áridos, a quarentena massificou o uso de ferramentas tecnológicas permitindo reduzir distâncias e romper bolhas. 


Nunca estivemos tão longe e ao mesmo tempo tão perto do mundo. Profissionais que teriam muita dificuldade para se encontrar presencialmente por conta de uma logística e agenda complicadas puderam se conectar, aprender juntos e trocar conhecimentos cara a cara, tela a tela.  E essa característica do teatro-escola de ópera, ao contrário do que se poderia esperar em tempos tão difíceis, se fortaleceu com a ampliação do Curso de Formação em Ópera, que passou a ter 90 cantores e técnicos bolsistas, fortalecendo a parceria para criação do Corredor Lírico do Norte, unindo os estados do Pará e do Amazonas. 

Este ano, das 90 bolsas ofertadas para o III Curso de Formação em Ópera, 45 foram destinadas aos cantores líricos e 45 para técnicos que atuam na produção dos espetáculos. A formação ocorreu ao longo de cinco meses, via plataforma digital, com 5 módulos de aulas para cada grupo. 

A oferta permanente de oportunidades para estudo e aperfeiçoamento do canto lírico em Belém é, na avaliação da professora Jena Vieira, diretora artística do Festival de Ópera do Theatro da Paz,  um dos fatores que facilita a garimpagem dessa riqueza vocal pouco comum em outros locais mas que parece brotar com naturalidade no Pará. 


Um exemplo disso é a soprano Kézia Andrade. Ao iniciar os estudos musicais, o interesse era voltado para a música popular. “Quando cheguei no Conservatório (Carlos Gomes), aos 18 anos de idade, eu me deparei com o canto lírico. Aí eu me encantei e tive a certeza de que queria seguir nessa carreira”, afirma. Agora, a expectativa é o retorno, espera-se que já em 2022, ao festival em seu formato presencial.


Essa é a expectativa, também,  do cantor lírico Márcio André Carvalho. “Nosso sonho principal é voltar ao palco e ter contato com o público. Desenvolver de novo esse cenário, interpretar um personagem novamente ao vivo em um palco, será maravilhosa essa sensação”, afirma.     

Coordenado por Jena Vieira, o curso tem sido uma verdadeira fonte de captação de novos cantores líricos, preparando-os para o trabalho com a ópera, onde não é só a técnica vocal que conta, mas também a interpretação dos personagens e a expressão corporal. O Curso de Formação em Ópera foi criado em 2019 ofertando inicialmente 20 bolsas para cantores líricos. Já no ano passado o projeto foi ampliado para 80 alunos bolsistas, entre técnicos e cantores.

 “A ópera exige mais do que simplesmente técnica vocal. É preciso trabalhar outros recursos cênicos, corporais e de interpretação”, explica a professora Jena, acrescentando que a criação do curso pela atual gestão do governo do Estado foi importante para a valorização do gênero como um todo. Um trabalho que as novas vozes do cenário lírico paraenses estão ansiosas para apresentar em 2022, no próximo Festival de Ópera, que todos esperam, esteja de volta presencialmente ao palco do nosso belo Theatro.

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