À primeira vista, a chef Ângela Sicilia parece uma personagem, saída de um livro infantil. Ela surge toda de cor de rosa no salão, com os cabelos loiros cuidadosamente presos. A essa altura, é impossível perceber que ela está sem maquiagem, sem brincos (itens considerados proibidos para quem trabalha na cozinha) ou quaisquer outros acessórios. Na cozinha a jovem chef mostra a que veio. Exigente, curiosa e apaixonada por Gastronomia, a chef autodidata tem chamado a atenção com suas criações.
No comando da cozinha do restaurante Famiglia Sicilia há um ano (que por mais de vinte anos, em homenagem ao patriarca, chamou-se Dom Giuseppe), Angela Sicilia se destaca como uma das chefs mais talentosas de sua geração. Assumidamente apaixonada por suas origens gastronômicas, ela é uma estudiosa e com muita harmonia consegue “casar” típicos pratos italianos com ingredientes locais. Basta uma rápida olhada no menu (que vive em constante evolução) para ver ‘Arancini de pato’ (a típica entrada italiana: bolinhos feitos com arroz arbóreo), ravioli de maniçoba ou Fettucini de jambu com magret de pato e redução de tucupi. “Massas são neutras e um convite à imaginação”, afirma. E foi com misturando o trigo aos ovos, em companhia do pai, Giuseppe, que ela entrou no universo gastronômico. “A primeira coisa que ele me ensinou, de fato, a fazer, foi brigadeiro”, ri.
Voltando ao começo
Filha de um italiano com uma mineira, a Gastronomia estava predestinada a ser o caminho natural da paraense Ângela Sicilia, uma vez que os próprios pais já atuavam no ramo e ela, ainda criança, ajudava a mãe na cozinha. “Eu era muito criança mesmo, mas minha lembrança olfativa quase sempre reencontra o cheiro dos molhos, do alho sendo dourado no azeite. Mesmo a comida trivial, do dia a dia, tinha cheiro e gosto diferentes, porque quando o papai entrava na cozinha, sabíamos que a refeição não seria simples, mesmo que fosse o habitual. A macarronada dele era espetacular!”, ela conta.
Com Dona Jussara, doceira hábil e de mão cheia, aprendeu os primeiros segredos dos doces que encantavam Belém na época. Com ela também aprendeu a mesclar as culinárias italiana, mineira e paraense. “De mamma Jussara lembro dos tabuleiros de pão e várias tortas, que ela fazia sob encomenda, mas ela sempre dava um jeitinho de fazer para nós. A que eu mais gostava era a de amendoim. Ficava em êxtase total quando ela me deixava comer um pouco das bordas dos bolos, que ela retirava para deixá-los perfeitos, retos”.
A cozinha estava no sangue. Dela e do irmão mais velho, o também chef e sommelier Fabio Sicilia.
Amadurecimento precoce
“É uma das mais tenras recordações – acompanhar a mamãe todos os dias ao Clube do Remo, onde ela mantinha uma cantina. Naquela época, com oito anos, acho, eu passava o troco, ajudava no que fosse preciso. E achava incrível quando ela me deixava ter responsabilidades. O papai havia partido [ela fica emocionada] e tínhamos de garantir nosso sustento. Não foi uma infância fácil, mas também não posso dizer que foi difícil”.
Alguns anos depois da morte do pai, a mãe também partia. Ambos os irmãos assumiram os negócios da família. Aos 24 anos, Fabio foi para a Itália estudar Gastronomia e Angela, com apenas 15 anos, tomava conta do restaurante e ficava no caixa. A maturidade chegou precocemente. Ruim? Não para eles, que sempre foram o esteio um do outro. “Fabio foi meu ‘pai’ durante minha adolescência e tinha de ajudá-lo da melhor maneira possível”, conta. Natural que a adolescente quisesse aproveitar a fase, mas a prioridade sempre foram os negócios da família. Hoje casada, mãe de dois meninos, Ângela dedica boa parte do dia ao restaurante e faz pessoalmente as massas, já que faz questão que sejam artesanais.
De volta à cozinha
Falando em massas e não à toa, o espaguete à bolonhesa é o prato favorito da chef. “Largo qualquer prato por espaguete à bolonhesa”, conta em meio às gargalhadas. “Ah, e bolo branco, aquele simples mesmo, com cobertura de chocolate”, complementa.
Perfeccionista, detalhista e exigente, a chef faz questão de visitar cada um de seus fornecedores. “Quero que meu cliente fique satisfeito com produtos de alta qualidade, mas não abro mão de que sejam ingredientes social e ecologicamente corretos. Porque quando a gente vai à fonte e é rigoroso nesse aspecto, a gente estimula uma corrente positiva”. O reflexo de tanto zelo são criações gastronômicas que encantam. Ela não abre mão de reunir pessoalmente com a equipe da cozinha e do salão, além de promover o que chama de “intercâmbio cultural” com chefs de outros estados, quando a equipe inteira recebe treinamentos e workshops.
Falando em intercâmbio, Ângela esteve recentemente na Europa, em intercâmbio gastronômico, a convite de chefs italianos para mostrar o resultado da cozinha ítalo-amazônica que desenvolve. Depois seguiu para o Identitá Golose, um congresso que reúne os mais importantes chefs do mundo. De lá voltou com mais ideias e novas “combinações”. “Estou ansiosa para colocá-las em prática”, finaliza.
De volta à cozinha, ela mostra à Revista Leal Moreira o passo a passo de uma receita exclusiva, que será o “Prato da Boa Lembrança” do Famiglia Sicilia este ano.
Risoto nero Dr. Arlen Jones (porção individual)
INGREDIENTES
- 100 gramas de arroz negro cozido no caldo de legumes (veja no box ao lado como fazer)
- 50 gramas de camarão rosa cru
- 25 gramas de lula (cortada em anéis)
- 25 gramas de polvo (cortadinho)
- 25 gramas de salmão em lascas e grelhado
- Cebola picada (a gosto)
- Alho picado (a gosto)
- Manteiga para refogar cebola e alho
- Cheiro verde picadinho a gosto
- Suco de ¼ de limão
- Sal e pimenta a gosto
MODO DE FAZER
Refogue a cebola e o alho. Deite os camarões, lula e polvo. Acrescente sal e pimenta a gosto e o cheiro a verde. Quando os frutos do mar estiverem no ponto, acrescente o arroz. Misture cuidadosamente e acrescente – por último – o salmão. Corrija o sal e a pimenta, se necessário e acrescente o suco de ¼ de limão. Mexa e sirva em seguida.
- Para fazer o arroz negro
O arroz negro consome muito tempo de cozimento até obter a maciez. Para fazer a base do risoto, doure cebola na manteiga e acrescente o arroz negro. Refogue e acrescente 50 ml de vinho branco. Deixe evaporar o álcool e acrescente o caldo de legumes (pronto) aos poucos conforme a água do arroz for secando. Va experimentando para sentir o ponto al dente. Se você preferir mais macio, deixe cozer um pouco mais. Desligue e reserve. Está pronto para usar na receita.
- Harmonizando o prato
A chef recomenda um Sauvignon Blanc.