Unidos pela arte

Como profissionais de diferentes áreas decidiram seguir o caminho da fotografia e se apaixonaram pelas lentes.

16/06/2014 08:29 / Por: Bruna Valle / Fotos: Dudu Maroja
Unidos pela arte
“Fotografar é colocar, na mesma linha, a cabeça, o olho e o coração” – era o que Henri Cartier - Bresson, um dos maiores ícones do fotojornalismo, pensava. Parece que ele tinha razão: a afeição à fotografia transparece nos olhos de quem fala sobre ela. Às vezes, a paixão se manifesta cedo, como um talento vindo desde o útero; outras, a vontade de explorar a arte fica por ali, dormindo, até que um dia vem à tona. Foi o caso de Eduardo Iketani, Moisés Unger, Condurú Neto e Carlos Guedes. Embora tenham chegado à fotografia por caminhos diferentes, eles têm em comum o apreço por seus registros das mais diversas paisagens, pessoas e momentos. Não só isso: neles, o hobby surgiu com a maturidade, o que lhes garantiu outro olhar – e também os uniu. 

No grupo de amigos, há médicos, empresários e professores. Eles garantem que estudar a fotografia é essencial para educar a maneira de ver, antes de qualquer coisa. Depois, é preciso soltar a imaginação e deixar o coração decidir o que move sua inspiração - sem deixar de lado os conselhos de quem entende dessa arte. Cada um tem a sua história particular com o fazer fotográfico; e, a partir delas, todos chegaram ao mesmo denominador comum: a missão de registrar tudo que os comove. Conheça-os.
 
A facilidade digital
Desde garoto, o médico Eduardo Iketani, 62, teve contato com máquinas de fotografia – afinal, os equipamentos e máquinas para este fim eram algo comum à cultura nipônica, da qual descende. “Tenho origem japonesa. Meu pai tinha uma câmera e isso era uma coisa passada de pai para filho. Fazer fotos da família era uma herança. Todos os japoneses gostavam muito de fotografia. Como o dinheiro era pouco, comprávamos modelos descartáveis, que não tinham recurso algum além do simples clique”, conta. De lá para cá, o gostinho pelo hobby só foi crescendo e ganhando novos aliados - principalmente graças à inovação dos equipamentos, que se transformaram em verdadeiras plataformas digitais. O avanço contribuiu bastante para intensificar suas atividades como fotógrafo amador. “Gosto de fotografia desde o tempo do filme e foi uma época difícil. Antes, você comprava a máquina, o filme, fotografava, mandava revelar... E quando chegava, vinha a decepção: de 24 fotos, somente quatro prestavam”, brinca.  “Hoje não existe isso. Você faz a foto e já vê logo se ficou boa ou não e então você descarta na hora. Tudo mudou muito. Agora temos recursos diversos com a câmera digital. Além disso, atualmente tem muita literatura, internet... Você se atualiza, trata as imagens. Não é à toa que todo telefone tem uma câmera fotográfica. É importante registrar os momentos, as pessoas gostam de ter este registro”.

Embora tenha conhecido cedo esse universo, Eduardo só começou a praticar intensivamente a arte com o advento das câmeras digitais e com os amigos com quem divide essa paixão. Diferente de alguns dos integrantes da ‘Confraria Imagética’, o médico de 62 anos não pretende mudar seu caminho. Para ele, a fotografia é um belo passatempo, que permite a reunião de outros fatores aos quais ele dá bastante valor: “distração, companheirismo, amizade; reunimos para conversar e até para fotografar. A fotografia nos une”.
 
Amor incondicional

O empresário Moisés Unger, de 43 anos, também faz parte do grupo de diletantes. Porém, suas atividades acabaram o afastando um pouco do convívio com os companheiros de lentes e obrigando-o a se dedicar por conta própria. Ele manteve o mesmo afinco nos estudos – para ele, um fator imprescindível para quem quer se aventurar por esses caminhos. “A seriedade na hora de fotografar começou há uns dez anos. Mesmo assim, desde pequeno, eu já sentia que ia gostar de fazer isso. Um dia, minha esposa me presenteou com uma máquina profissional. Foi quando eu comecei a estudar a respeito. Passei por grupos que fotografavam e saiam juntos para isso e fui me interessando cada vez mais”, conta. “Estudei muito e pude consultar vários profissionais do ramo em conversas corriqueiras nas saídas fotográficas. Tenho uma boa biblioteca sobre o assunto. Sou 50% paixão fotográfica e 50% teoria - compro livros o tempo todo, me atualizo sempre sobre o assunto”.

Moisés uniu o útil ao agradável: ele já possuía a fábrica de joias com a qual trabalha até hoje e aproveitou para retratar seu negócio pelo próprio olhar – o que lhe rendeu bons registros e muito mais experiência. O conhecimento adquirido não só somou em sua carreira, mas em seu humor e em sua vida de maneira geral. “Participei do ‘Bem Belém’ [grupo de retratistas], foi  quando encontrei grandes fotógrafos e amigos. Tive muitos professores lá, profissionais que deram dicas maravilhosas... Conheci muita gente boa. Aproveitei o conhecimento para aperfeiçoar meu trabalho”. Unger viu o interesse crescer e tomar um espaço cada vez maior no seu dia a dia. “A fotografia é um divisor de águas. Ela deixou de ser só um passatempo para ser uma paixão. Começou como uma brincadeira e hoje ocupa um tempo enorme na minha vida. Uso o que eu aprendi com a fotografia no meu trabalho, faço as fotos do meu material de joias, produzo tudo. Nossa fábrica produz joias e eu, os catálogos”.

Para Moisés, a dedicação cresceu junto com o sentimento de responsabilidade, que veio quando percebeu que era possível contar histórias ao mundo com sua maneira de enxergar. “A fotografia já deixou, há tempos, de ser apenas um lazer. É uma forma de apresentar para as pessoas a minha forma de olhar. Não existe nada  que você consiga apresentar como você vê. É possível até descrever e estimular a imaginação do outro. Mas, ao fotografar, você mostra exatamente o que você viu, congela ali seu vislumbre. O grande prazer de todo fotógrafo é mostrar o seu trabalho”.

Terapia
O médico anestesiologista Carlos Alberto Guedes, 60, tem uma história de superação com seus cliques. Antes de começar a fotografar, ele nunca havia se interessado genuinamente por nenhum passatempo, embora tivesse tentado um bocado deles. Quando recebeu a notícia de que estava desenvolvendo uma doença pela vida estressante, vieram as recomendações para encontrar algo que o relaxasse. O alento foi encontrado nas lentes. “Eu tive vitiligo. Fui a vários médicos, que receitaram diversos tratamentos, inclusive em Cuba. Não tive êxito. Até que um disse que eu teria que fazer alguma coisa me deixasse mais tranquilo, e que eu não abandonasse. Decidi então fazer um curso de fotografia com o [Miguel] Chikaoka”, rememora. A experiência não poderia ter sido mais frutífera: além de descobrir uma aptidão, Carlos deparou-se também com algo que o deixava em paz. “Dizem que o vitiligo é uma doença de fundo emocional, e, na minha profissão, estou sempre sob muita pressão. Fotografar melhorou muito a minha vida”.

Os pontos positivos não pararam por aí. Entre as alegrias que vieram com a fotografia, surgiu a capacidade de enxergar muito mais belezas do que antes. O que antes seria uma cena comum do cotidiano, sob as mais simples luzes ou situações corriqueiras, passou a possuir uma aura especial. “Hoje, eu olho para um lugar e vejo as coisas diferentes. O pôr do sol, um fim de tarde...sempre há uma poesia no momento”, avalia.  E, apaixonado pela arte, ele aproveita para se declarar. “A fotografia me encantou na vida. Se eu não fosse o que sou, seria fotógrafo. Ela acaricia minha alma, mexe com meu íntimo. Vejo minhas fotos e eu gosto do que eu faço. Outras pessoas podem não ver com bons olhos, mas eu sim. Minha aspiração com a fotografia é só como hobby - minha profissão não permite mais que isso. Mas quero poder fotografar sempre”.

Para não perder nenhum registro, Carlos Alberto está sempre preparado: “não saio de casa sem câmera. Esqueço tudo, menos isso.  Sem ela, me sinto desnudo. É algo que toma conta da vida da gente”, diz. Ele conta que já esbarrou em algumas dificuldades por isso, mas nem cogitou mudar a prática. “A única coisa ruim é a questão da segurança. Já fui assaltado com equipamento, por exemplo. Mas isso é um obstáculo, não um impedimento”.

Carlos já foi mentor de outros companheiros de lente e não cansa de recrutar pessoas. Ele acredita que esse é um dos segredos do aprendizado fotográfico: o compartilhamento de conhecimento e ideias. “O bom da fotografia é que o outro sempre tem algo a nos ensinar. Tento trazer as pessoas da minha área para vir fazer isso com a gente. Algumas já aderiram e estão gostando. O legal é poder sair junto e aprender cada vez mais uns com os outros”.
 
Amizade

Aos 58 anos, compartilhar conhecimento já está na essência do engenheiro agrônomo Condurú Neto. Ele começou a praticar o hobby por meio de Carlos Guedes e com o amigo continua espalhando a semente dessa arte que congrega pessoas de toda sorte com um só objetivo: capturar um momento extraordinário. “Em 2008, meu amigo Carlos Guedes me vendeu um equipamento semiprofissional e passou a me levar com ele para me ensinar. E eu passei a gostar. Foi então que fiz um curso e, a partir daí, não parei mais. Depois que eu recebi treinamento, instrução, meu olhar mudou”, revela. Ele atribui à experiência de vida a maturidade com que encarou o passatempo. “Foi diferente começar com mais idade, porque somos mais responsáveis e gastamos menos, por conhecer nossos limites financeiros. Estudamos mais, compramos muitos livros; a visão é mais séria”.



Condurú conta que quem tem esse hobby gosta de ter tudo o que é necessário para fazer o melhor retrato e, nesse caminho, quer abraçar o universo e fotografar tudo que vê pela frente. Apesar disso, seu afeto é mesmo pelas imagens de arquitetura, que não param de se multiplicar em sua coleção pessoal. “’Hobbista’ gosta de gastar dinheiro. Você vai trocando, inovando. Quando você começa, quer fotografar tudo; depois, sua preferência pessoal prevalece.

No meu caso, gosto das construções, dos prédios históricos. Acredito que, por ser engenheiro, o coração bate mais forte por fotografias de arquitetura”.

Professor universitário, Neto vê sua atividade como a melhor forma de contar suas histórias – que não param por aí: se transformam em projetos futuros e até em possibilidades profissionais para depois da aposentadoria. O motivo? Qualidade de vida. “A fotografia é uma forma de eu contar histórias. Eu tenho um blog onde coloco minhas fotos, até criei um projeto. A ideia é visualizar fotos antigas de Belém pareadas com imagens atuais, minhas, para mostrar o que era antes e o que é hoje. Sonho em transformar isso em livro com a ajuda de meu amigo Aurélio Meira. Ano que vem, me aposento como professor. Quem sabe não transformo meu hobby em profissão? Sem maiores preocupações, com outra fonte de renda, passar realmente a produzir e a vender”, planeja. 

O que é inegável na fotografia é o poder dos vínculos que ela cria. Condurú acredita que os laços alimentados por este interesse em comum só tem a acrescentar para todos os envolvidos. “Nós ligamos e combinamos saídas para fotografar, conversar... Já alugamos um barco para atravessar e clicar outras paisagens. E tem outros grupos aonde vamos eventualmente, em que os jovens são maioria e nós somos como os vovôs”, brinca. “É interessante essa interação. Eu pergunto, por exemplo, ‘como é que vocês fazem para cobrar?’. Eu não faço nenhuma ideia. É importante a convivência para diversificar o olhar e entender mais de fotografia”.

Para o professor e engenheiro, fotografar depende muito de esforço pessoal – mas é no contato com o outro que quem tá por trás das lentes se engrandece. “É preciso estudar muito, fotografar demais e conviver bastante com fotógrafos, profissionais ou ‘hobbistas’. Esse é o grande segredo, porque você ganha empolgação. Quando eu comecei, não sabia nem onde ligar a câmera. Com uma pessoa auxiliando é mais fácil. Cria-se um encantamento, um entusiasmo. Compartilhar conhecimento, e multiplicar isso, é essencial”.

Mais matérias Especial

publicidade