Siamo tutti oriundi

Da Bota ao Brasil: a marcante trajetória dos italianos em terras paraenses e a perfeita integração deles.

13/03/2012 17:34 / Por: Fábio Nóvoa / Fotos: Dudu Maroja
Siamo tutti oriundi

No final do século, eles desembarcaram na Amazônia, vindo de uma Itália em crise e aqui adicionaram cores e sabores únicos à nossa terra. E agora, pouco mais de um século depois, os italianos ganharam espaço e se tornaram parte importante da cultural local. Em 2012, continuam as comemorações do Ano da Itália no Brasil, iniciadas no ano passado. A imigração italiana tem início na crescente migração, a partir do capitalismo europeu em direção à América. Na Amazônia, a rota do movimento migratório concentrou-se nas grandes plantações de café, logo após a abolição da escravatura, e nas oportunidades de comérico a partir do início do período áureo da borracha, quando o estado começava a experimentar os primeiros sinais de desenvolvimento a partir da Belle Époque.

Aqui acabaram conseguindo se estabelecer, especialmente em duas áreas: na Agricultura e no Comércio. O primeiro comércio italiano de que se tem notícia data de 1888. Ficava em Santarém e pertenceu a Giuseppe Maria Miléo e Vincenzo Calderaro. À época, por meio de imigração subsidiada, muitos italianos vieram povoar colônias agrícolas da estrada de ferro Belém-Bragança e no Outeiro, como as colônias Ianetama e Anita Garibaldi. “Os países europeus vivenciaram ao longo do século XIX diferentes processos de transição demográfica, caracterizados pelo contemporâneo aumento das taxas de natalidade e o decréscimo das taxas de mortalidade, trazendo como consequência a aceleração do crescimento demográfico”, explica a socióloga e professora da Universidade Federal do Pará, Marília Ferreira Emmi, que escreveu o livro “Italianos na Amazônia (1870-1950)”. “O excesso populacional, a falta de trabalho, o acentuado empobrecimento da população motivavam a busca por melhores condições de vida na América”, diz.

Assim, diferentes estados brasileiros registraram diferentes fatores de atração dos imigrantes: em São Paulo, o café; no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo, as colônias agrícolas; na Amazônia, a economia da borracha. Mas o país também trouxe religiosos e artistas para a nossa região. “Um grupo significativo foi formado por religiosos que vinham atender determinações de suas respectivas congregações. Eles deixaram marcas de sua presença em estabelecimentos de ensino e em hospitais. Outro grupo importante era composto por arquitetos, pintores, músicos e outros artistas”, enumera a pesquisadora. Entre esses ela cita Giuseppe Antonio Landi, Domenico de Angelis, Giovanni Capranesi, Sperindio Aliverti, o engenheiro Filinto Santoro e o maestro Ettore Bosio.

Emmi explica que sua pesquisa direcionou-se para as famílias de imigrantes italianos que escolheram o Pará como lugar de destino e aqui se fixaram e se integraram à economia e sociedade paraense. “Eu identifiquei dois principais fluxos migratórios: o grupo composto de aproximadamente 80 famílias, que veio em 1898 para povoar as colônias agrícolas Anita Garibaldi e Ianetama localizadas ao longo da Estrada de Ferro de Bragança (nas proximidades do atual município de Castanhal). Esse grupo era subsidiado pelo governo do Pará com o objetivo de fornecer produtos agrícolas para Belém. Mas, foi uma imigração que não teve continuidade”, lembra.

O outro grupo pesquisado foi a da chegada (a Belém) de grupos do sul de Itália, vindos principalmente de 3 regiões: Basilicata, Calábria e Campânia.
“Em minha pesquisa identifiquei descendentes de cerca de 100 famílias que vieram do sul da Itália e se radicaram em Belém e outras cidades amazônicas. Em menor número vieram italianos de outras regiões como Veneto, Lombardia, Emilia Romagna, Piemonte, Liguria,Toscana e da Sicilia”, afirma. Marília diz ainda que os primeiros a chegar na capital, quando bem-sucedidos economicamente, mandavam buscar seus parentes na Itália utilizando as “cartas de chamada”.


Já estabelecidos aqui, os italianos inseriram-se em vários setores da economia. “O crescimento urbano propiciava condições favoráveis e criava um mercado de prestação de serviços que atraiu boa parte dos imigrantes que chegavam às cidades”, reitera a professora. A partir daí foram criadas as fábricas de sapatos em Belém (como a Boa Fama, a Italiana e a Libonati) ou a criação de alfaiatarias e ourivesarias. “Ao lado destes, alguns permaneceram exercendo atividades de menor qualificação como engraxates, jornaleiros, pedreiros, marceneiros, entre outras”, diz Emmi.

Mesmo após o fim do ciclo da borracha, os imigrantes continuaram chegando e se fixando na cidade. Na década de 1920, os Oriundi (como são chamados os imigrantes italianos e seus descendentes), já eram o terceiro maior grupo de migrantes europeus, atrás apenas de portugueses e espanhóis. “A imigração de italianos diminuiu no pós-guerra, mas Belém até hoje continua recebendo italianos que rapidamente se integram à sociedade local”, reitera. Não há um numero certo de italianos que vivem em Belém, mas estima-se que chegue apenas próximo de duzentos registrados no vice-consulado de Belém.


O interesse para o estudo desse fluxo migratório tem viés acadêmico, mas também pessoal. “Na vasta literatura que trata da imigração italiana no Brasil, são raras as referências sobre a imigração italiana na Amazônia. Essa constatação me motivou a estudar a presença dos italianos na região. Outra motivação foi o fato de eu ser neta de italianos e ter casado com um filho de imigrantes italianos, portanto uma convivência diária com italianos e descendentes”, informa.

Hoje, paraenses de coração

Alguns imigrantes se instalaram em cidades do Baixo Amazonas como Santarém, Alenquer e Óbidos. É o caso da família do engenheiro civil Berardino Priante. Dino Priante, como é mais conhecido nasceu em terras obidenses, mas mora em Belém. É Engenheiro Civil e estuda Direito. “Óbidos foi a cidade escolhida pelos italianos que imigraram para o interior do Pará, que tinha a maior concentração desse povo europeu, ficando apenas atrás da capital Belém”, afirma. “Era a cidade mais italiana depois de Belém”.

Um dos primeiros italianos a chegar à cidade foi o tio-avô dele Pasquale Savino, em 1904, mesmo ano em que fundou a firma “Ítalo-Brazileira”. Savino vinha da província de Nápoles. Já aqui, mandou buscar o avô materno Silvestro Savino, em 1908.
Silvestro fundou outra empresa. Já o avô paterno, Berardino Priante, chegou a Óbidos em 1905, retornando pela primeira vez à Itália em 1911 e depois vindo para o Brasil novamente em 1913. Em 1918, de volta à Itália novamente, foi convocado para a Primeira Grande Guerra, já no seu ano final. Ele só retornou ao Pará em 1921 para continuar a tocar a firma, à beira da falência. Em 1931 trouxe o resto da família, incluindo o pai, para ajudá-lo no comércio.

Pesquisador da história da família, Berardino conta a história com muito orgulho. “Dessa imigração italiana para o interior do Pará, eu nasci e tenho bastante orgulho. Quando viajo, principalmente pelo Sul/Sudeste do Brasil, digo que nasci em uma cidade que fica à margem esquerda do rio Amazonas. Aí indagam: ‘Com essa cara?’ Tenho que explicar minha descendência”, diz, divertindo-se.

Já o empresário e professor Guido Oddenino, 45 anos, encontrou na música e nas salas de aula a maneira de continuar a expressar seu amor pela terra natal. Dono de uma escola de Língua Italiana, ele se divide entre o ensino e a paixão musical. Tanto talento o conduziu a apresentações musicais e em CDs que gravou. Já são quatro: “Volare”, “Emozioni”, “Boleros” e “Per Amore”.

Nascido em Turim, ele tem três filhos – dois nasceram na Itália e um é paraense. E foi o amor que o trouxe para o calor tropical. Em 1992, Guido veio visitar um tio no Maranhão e lá conheceu a esposa, Maria Cleude. Quando voltou para a Itália, ficou trocando cartas com ela e acabaram se apaixonando.
Em 1996, casaram na Itália e decidiram voltar para o Brasil, fixando residência em Belém, onde Maria possui família.

Guido diz que a adaptação foi tranquila. “Já tinha vindo aqui em 1984 e conheci um pouco da cidade”, explica. “Belém é uma cidade acolhedora e com muitas oportunidades de trabalho. Logo, fiz muitas amizades aqui. Além disso, o português é próximo do italiano na língua, então não tive dificuldade de aprender também”, garante.

E quem pensa que o clima quente da nossa região incomodou o recém-chegado, engana-se. “Eu adoro o clima quente. Eu gosto assim aqui. A gente passeia e trabalha mesmo no sol ou na chuva”, diz. A mãe e os irmãos de Guido ainda moram na Itália e ele lembra as diferenças e semelhanças entre Belém e Turim. “Lá e aqui, as pessoas são muito musicais. Adoram boa música para dançar”, afirma. Apesar das similaridades, ele cita a insegurança como o maior problema da capital paraense. “Antes era mais tranquilo. Hoje, está muito perigoso. Precisamos ainda de limpeza nas ruas, organizar o trânsito. Na Itália é mais organizado”. Mesmo assim, ele reitera que é um paraense com orgulho. “Aqui temos um interesse grande pela cultura e pela comida italiana. Sinto-me em casa”.

Para o publicitário e especialista em linguagem corporal Giovanni Mileo, a descendência influenciou na sua escolha profissional. “Descendente de italianos eu só poderia ter me especializado em gestos. Em todo o mundo os italianos são conhecidos por falarem alto e gesticularem bastante”, afirma.

O bisavô dele, Giovanni Battista Milleo, nasceu em Constantino de Rivello (Potenza), região da Itália – em 1885. Aos 10 anos de idade, veio para Santarém com o pai José Maria Miléo. “Por ocasião da Primeira Grande Guerra ele precisou voltar à Itália para defender seu país. Fez parte da cavalaria italiana. Por lá, conheceu minha bisavó, com quem casou e retornou ao Brasil. Aqui, naturalizou-se e passou a se chamar João Batista Miléo”, conta. Como era especialista na arte de fazer panelas de metal, uma raridade à época, em Santarém, acabou fazendo sucesso com os utensílios. “Assim, construíram um dos maiores patrimônios comerciais do oeste do Pará na época”, garante.

Giovanni foi proprietário da casa comercial JB Miléo e Calderaro e CIA, da Ouvidor e Cia; da farmácia D Velloso e Cia. Todas empresas de importação de látex, tecidos, calçados e demais artigos de vestuário. Ele afirma que alguns costumes permanecem na família. “Como toda família ítalo-brasileira, vez ou outra nos reunimos para uma bela macarronada. Minha família faz um molho de macarrão inacreditável. Não há nada parecido no mundo”, aposta. Para ele, o povo paraense é um dos mais acolhedores do mundo. “Uma parte dessa característica se deve à herança de italianos com toda certeza”, reitera.

Quem também se adaptou com facilidade aqui foi Irene Martinelli Castelli, 72 anos. O então namorado, Umberto, foi trabalhar em uma empresa multinacional do ramo madeireiro em São Paulo, onde chegou em 1965. “Em 1967, ele voltou à Itália para se casar comigo, depois de 7 anos de namoro e então fomos, os dois, morar definitivamente, em São Paulo”, lembra. Lá, nasceram as duas filhas, Renata e Alessandra.

Até o ano de 1990, eles viveram na capital paulista, quando surgiu uma oferta de trabalho para dirigir uma fábrica em Belém e Umberto prontamente aceitou o desafio. “Chegamos ao Pará, com toda a família e nos adaptamos rapidamente. A cultura, o povo, a cidade, com suas praças, principalmente a Batista Campos, onde moramos, e que eu adoro e suas mangueiras... Tudo nos encantou!”, afirma. “A receptividade das pessoas é incrível, fizemos muitos amigos aqui. E por sermos uma família muito religiosa, o Círio de Nazaré pra nós foi uma linda descoberta”.

Irene ainda guarda a cultura italiana em casa. “Falamos a língua quando estamos em família e ensinamos às nossas filhas. E, claro, mantemos a culinária no nosso dia a dia. Não conseguimos viver sem um bom prato de macarrão”, diz. “Eu mesma sempre cozinhei para a minha família, o que também é uma característica das mulheres italianas. Além disso, ainda continuamos em contato com familiares e amigos na Itália. E meu marido segue, diariamente, os noticiários italianos pelos canais da TV por assinatura”. Ela diz que toda a família vive na Itália e as filhas em São Paulo e Londres, mas nem pensa em deixar Belém, “que nos acolheu tão bem”.

Para a professora Marília Emmi, a presença italiana é reconhecida pela importância econômica e cultural que representa. “Sendo um grupo pequeno, se comparado com o que se deslocou da Itália para o Sul e Sudeste, os italianos no Pará não constituíram núcleos fechados nas cidades e rapidamente passaram a fazer parte delas”, garante. “Novos hábitos foram introduzidos, principalmente na culinária com uso de massas e o consumo de verduras e legumes, produto de suas hortas caseiras. Chama atenção o número expressivo de restaurantes italianos, cantinas e pizzarias existentes em Belém, constituindo um forte traço da imigração italiana no Pará”.

A professora cita ainda que, do ponto de vista cultural, merece registro uma tradicional festa italiana, a Festa di San Gennaro, que durante 12 anos foi realizada em Belém. A festa promovida pela Associação Cultural Ítalo-Brasileira de Belém consistia numa amostra de música, dança e gastronomia italiana e contava com intensa participação da população de Belém. A última celebração foi em 2008.

ITALIANOS ILUSTRES NO PARÁ
Domenico De Angelis e Giovanni Capranesi
Pintores italianos foram os executores da pintura do teto do salão do Theatro da Paz e da Igreja da Sé;

Antonio Landi
O maior e mais conhecido arquiteto da região. É dele os projetos dos Palácios Lauro Sodré e Antonio Lemos; As Igrejas do Carmo, Santana e das Mercês assim como o Colégio Santo Alexandre.

Luigi Zoia
Padre Barnabita que veio para Belém em 1908 e quando retornou à Itália, chegando a Genova, contatou os arquitetos italianos Coppedè e Pedrasso, que projetaram a Basílica de Nazaré, que seria uma réplica da Basílica de São Paulo de Roma. Em 24 de outubro de 1909, com a presença do governador Augusto Montenegro e do prefeito Antonio Lemos, foi lançada a pedra fundamental sob a bênção do arcebispo D. Santino Coutinho.

Ettore Bosio
Em 1888 chegava ao Brasil o maestro-compositor italiano, diplomado em 1887 no Liceo Musicale de Bologna.
Depois de passar pelo Rio e São Paulo, fixa-se em Belém. Em 1895 Carlos Gomes, o imortal maestro brasileiro, após conhecer suas obras, fez grandes elogios ao maestro Bosio. Em 1893, a companhia lírica italiana, apresenta no Theatro da Paz, com enorme sucesso a ópera de sua autoria em três atos, denominada: Duque de Vizeu. No Liceo de Bologna é apresentado pela primeira vez outro trabalho seu: Ideale. Semele, La Coppa d’Oro, Alessandra são outras obras de sua autoria. Posteriormente, Ettore Bosio veio a ser diretor do Instituto Carlos Gomes em Belém, onde foi professor e grande incentivador do grande maestro paraense Waldemar Henrique. Hoje, nomeia uma sala de apresentação do Instituto.

Antonio Vita
Montou uma construtora em 1901 e foi um dos responsáveis pela construção da atual Basílica de Nazaré.

LINHA DO TEMPO
No final do século XIX, a Política de Colonização de Áreas Agrícolas, executada pelos –então – governadores Lauro Sodré e Paes de Carvalho subsidiou a vinda dos italianos, que deixaram a “bota” em dois navios: Rei Umberto e Rio Amazonas (ambos da Companhia La Ligure Brasiliana, pertencente ao armador italiano Gustavo Gavotti). Os navios faziam linha direta Gênova-Belém-Manaus.

Rei Umberto e Rio Amazonas saíram do porto de Gênova em 1898, com destino ao Brasil.

A bordo dos dois navios vieram, aproximadamente, 60 famílias italianas. Todas foram acomodadas na 3ª classe.

A viagem durou pouco mais de um mês. Em condições precárias de higiene, acomodados em pequenos espaços, muitos não chegaram ao destino: o Brasil.

O Rio Umberto – antes de chegar a Belém – fez paradas no Porto de Santos e no Rio de Janeiro, para só então, aportar na capital paraense.

Uma vez no Pará, os imigrantes seguiram para as colônias agrícolas Ianetama e Anita Garibaldi, situadas ao longo da estrada de ferro de Bragança.

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