PEQUENO ENSAIO SOBRE O NADA
I - O SONHO
Sonhar para seguir em frente,
Para não morrer em vida.
Sonhar para alimentar o sonho
Para sabê-lo motivo e não o fim.
Saber da causa final
Um horizonte que se expande.
Deixar a alma crescer;
O corpo perderá para a matéria.
Embriagarmo-nos, assim,
Como um dia ensinou Baudelaire.
Aprender que a vida é sonho
E os sonhos, sonhos são, Calderón.
Embriagar-se de amor
E embeber o chão, lavrá-lo ao fruto.
Ao impossível dê-se o crédito,
Há sempre por aí, um mistério.
Deixar-nos levar pelo tempo.
Não sabemos da nossa hora.
Os deuses não se cansam,
E somente nós somos datados.
II - O PESADÊLO
A revelação crescente
Da decadência humana
Poderia ser razão
Para se cuidar das linhas
Que a vida tece para dentro
De nós mesmos, seres,
Perdidos em fugas.
Aprenderíamos a voar mais alto
E a ver as coisas no seu devir.
A transcendência social
É pequena e redundante
E nós temos toda a imensidão
À nossa disposição.
Duvidar do homem, amando-o,
Afinal, somos ladinos.
E nossas frustrações nos levam
A querermos, ser deuses.
Voar, voar como pássaros.
Pássaros sem asas
Na direção do infinito,
Sempre mais alto, ao possível,
De todos os sonhos
Guardados a sete chaves
Nas dobras e sombras da alma
E em nossos corpos, feridos,
III - DEPOIMENTO PARA O MUSEU DO NADA
Generosa
A vida só não me deu
Um fiapo de genialidade.
Mas aí já seria demais
E causa de perdição
Pra minha alma pequena.
Não tenho sexto sentido
E estou sempre mudando
As minhas conclusões.
Se houver outra chance
Queria ser menos pedra
E bem mais coração.
O que mais gosto
De tudo o que recebi
É este não saber de mim.
Tenho uma inveja
Das pessoas que dizem
Eu penso que.............. .
Eu nunca que penso.
E têm sempre muitos
No meu pensamento.
Minha identidade é "outros".
Na minha cédula minto
Porque é assim que desejam.
O meu epitáfio será:
"Aqui não jaz ninguém”
Por favor, não insista.”
IV- A NEGAÇÃODOS RIOS
Lá por onde eu andava
Sempre acabava num rio,
Partindo quando eu chegava
Deixando um rastro frio.
E pra onde eu me virava
Outros rios também iam.
O rio das horas contava
O tempo que nunca volta
Deixando os seus teréns.
O rio das palavras que voam
São águas indo ao vento
Deixando versos nas beiras
De alegrias ou de lamento.
O rio dos sonhos passava
E de tanto sonhar aprendi
Deixar os sonhos viverem,
Nesse viver de partir,
Nos rios que sempre vão.
V - A ENSEADA
Não sei
Do que se trata
Não saberei nunca
Do que se trata,
Não obstante,
Acho a vida linda.
Pela frente
Tenho a eternidade.
O que posso mais desejar?
Ontem, ainda ontem,
Tudo era muito novo
E hoje continua.
Não dá pra perder tempo.
VI - IR POR AÍ
Ir por aí
Bem mais além do horizonte
Para um mundo sem ponte
Um vazio sem terra e céu
Onde se desvele o mistério
Que se põe
Entre a razão e essa loucura
Da insaciável alma.
Pode não ser uma solução
Mas uma viagem necessária.
Ir por aí
Sem destino além do definido
Como se pra dentro se fosse,
Onde está o grande infinito
E o sentido de todo caminho.
Onde moram os sentimentos
E a forma perfeita da matéria
A quem nosso amor se destina
E a cegueira das fantasias
Nos leva pra longe e as elimina.
VII - BILHETE DE PERTO DA FOZ
Meu amigo não me leve a mal,
Confesso eu estou muito bem.
E claro que sempre falta algo
Como a presença da amizade.
E se você puder aparecer
Venha que nunca será tão tarde.
Incrível, mas a turma debandou.
E é claro doeu, sem alarde.
Parece que ficou um vazio
Como se o tempo não andasse.
Quem sabe a gente se vendo
O tempo possa voltar
E tudo volte a ser como antes
Como quando o mundo ia mudar.
Estou indo como posso,
Mas sem perder a valentia,
Nem aquela alegria de ter voz
Pra gritar quando a coisa aperta
Como se estivesse perto da foz
Sem alguém pra nos avisar.
Meu amigo não me leve a mal,
Eu estou muito bem e vou indo
E queria que você fosse comigo.
Eu só queria poder lhe abraçar.
VIII - JOGO PESADO
O mundo mudou.
Foi mais esperto,
E mudou,
Antes que o fizéssemos.
Enfiou-nos numa gaiola
E diverte-se conosco
Com mentiras, fábulas
E tramas do velho capital,
Agora sedento da América Latina.
Mas, antes, sucatando-a.
IX - A GAIOLA DOS PAPAGAIOS
Apagadas as luzes
Do Iluminismo,
Pela ideologia
Do ativismo infantil
E o politicamente correto,
As razões adormeceram.
A desinformação ganhou,
Alojou-se nas comodidades,
A militância, virou competência.
Não era mais hora
De entender o mundo,
Mas de transformá-lo, de vez.
Mais esperto, o mundo
Mudou antes e criou uma gaiola
De verdades prontas e acabadas.
Presos, viramos papagaios.
X - EPIGRAMA
Morro
De fome de infinito.