Não é preciso ter um filho para saber que a criação, a formação de uma nova pessoa que chega ao mundo é das maiores responsabilidades que alguém pode chamar para si em toda uma vida. Não à toa, tenta-se, na medida do possível, desempenhar a dois a agridoce missão de ter e criar um descendente. Mas é aquela história: na medida do possível. Então, nem sempre às vezes dá para contar com alguém para essa missão, de modo que não é nada incomum ter um vizinho, um amigo ou um colega de trabalho que, por um motivo ou outro, foi criado por um dos pais apenas, ou que morou a maior parte do tempo só com a mãe. Ou, em menor frequência, é verdade, só com o pai.
“São muito aprendizados, muitas lições e, quem sabe perceber isso, cresce muito como ser humano”, garante o publicitário e comunicólogo, Glauco Lima, de 51 anos, pai de Clarisse, 24 anos e produtora de Moda, e da Camila, 21 anos e estudante de Direito. A história desse trio não envolve exatamente a divisão de um mesmo teto, mas de uma companhia constante, mesmo após a separação dele e da mãe das duas jovens. “Foram 12 anos solteiro depois disso, então elas se tornaram o meu ‘par’ constante. Todas as minhas viagens mais longas e para os lugares mais distantes eu fiz com elas. Isso nos aproximou muito e me fez viver bem diretamente o universo de duas meninas virando mulheres”, relata.
Glauco admite que a mãe de Clarisse e Camila esteve por perto o tempo todo, ajudando em momentos importantes, participando, principalmente, “naquelas” questões femininas, como médicos, roupas e assuntos de estética. “As situações mais estranhas são aquelas ligadas aos cuidados femininos, como salão de beleza, manicure, cabelos, depilação, esses assuntos que um homem com duas filhas e sem a presença mais intensa da mãe acaba aprendendo. Mesmo sem nunca saber direito os termos certos ou as expressões, mas sempre se assustando com os preços desse tipo de serviço!”, diverte-se.
Outro detalhe curioso na relação entre o pai e as filhas é que o relacionamento entre eles se fortaleceu ainda mais quando as duas se mudaram para São Paulo e Glauco ficou em Belém. “Como eu cuidei mais da instalação delas na capital paulista, comprando apartamento, dando todo o apoio logístico e financeiro, acabei convivendo mais com elas, indo até com mais frequência para São Paulo”, detalha ele, que hoje mora na capital paulista – mas na companhia apenas da segunda esposa, enquanto as irmãs moram juntas “na casa delas”.
“Vendo-as hoje, adultas, me permite fazer uma avaliação dos meus erros e acertos como pai. A gente olha para trás e lamenta não ter tido sensibilidade, maturidade e experiência em certas ocasiões para ter feito melhor, mesmo quando o melhor fosse dizer um ‘não’ ou contrariar uma vontade”, analisa. “O homem tem que saber unir a preocupação entre correr atrás de grana para dar o melhor para os filhos e a sabedoria para se desligar de tudo e ficar abraçado com eles sem fazer nada, ou fazendo faxina, arrumando bagulhos, passeando num parque numa tarde fria, esses são tijolos tão valiosos nessa construção humana, que podem ser comparados aos tesouros mais perseguidos pela humanidade”, recomenda. “O mais bacana da relação com as filhas é que as coisas não são transmitidas em falas, discursos ou pregações. Os legados são frutos dos exemplos, das práticas, do exercício diário, quando você, sem perceber, acaba passando elementos que são absorvidos por elas. Um exemplo bem básico disso é o gosto musical. Por mais que suas filhas não pareçam curtir as músicas que você ouve, depois que crescem, aquelas canções ficam na alma delas, e volta e meia surgem nas mais diversas situações de vida. É um microexemplo, mas dá uma dimensão da sinergia cósmica que existe entre pai e filhas”, afirma Glauco.
Na casa do funcionário público, Alex Barros, de 36 anos, as coisas são um pouquinho mais “esquematizadas”, digamos assim. Uma série de fatores fez com que ele e a mãe do casal Maria Eduarda e Lucas, de onze e dez anos, respectivamente, acordassem de as crianças passarem a semana com ele e o final de semana com ela. Tudo muito “numa boa”. “Desde muito pequenos, meus filhos passaram a ter essa rotina, então eles se habituaram. Evidentemente que, na condição de filhos de pais separados, atribulações foram e são vividas por conta dessa situação, mas tentamos minimizá-las com diálogo franco, carinho e amor, muito amor, como deve ser a base de toda relação, independente de qual seja”, explica.
Ser pai “integralmente” e sozinho por cinco dias todas as semanas nunca assustou Alex, ou mesmo foi encarado como problema. Ainda que com todos os percalços do dia a dia. “Jamais! Sempre sonhei em ser pai e nutro pelos meus filhos um amor incondicional. Eu seria leviano em dizer que é um ‘mar de rosas’ vivenciar essa situação diariamente. Criar filhos requer imensa dedicação e responsabilidade e, ao adquiri-las, faz-se necessário abdicar de muitas coisas pessoais”, confirma. “Fácil, realmente não é, mas é recompensador”.
Alex diz que já está acostumado a ser alvo de arguição toda vez que alguém fica sabendo da rotina que leva com os filhos. “Posso citar como ocorrência memorável todas as vezes em que fui felicitado e homenageado por meus familiares e amigos nos dias das mães, chamando-me de ‘pãe’, em reconhecimento ao meu esforço e dedicação como pai!”, recorda. “A experiência da paternidade foi, sem dúvida, o momento mais importante e emocionante de minha vida e, por si só, já provoca (ou deveria provocar) em qualquer homem uma mudança de direcionamento em sua vida. “Foi vital para meu amadurecimento como ser humano. Tornei-me mais tolerante, sensível e, principalmente, mais responsável. Na verdade, a paternidade fez com que eu me reinventasse, me reciclasse, como se eu literalmente renascesse, não somente como homem, mas por ver, naqueles pequenos seres que eu ajudei a gerar, um pedaço de mim ganhando vida. Como diz a canção do Hyldon, ‘de duas vidas, uma se fez, e eu me senti nascendo outra vez’”, declara-se.