Eu amava o meu trabalho, tinha amigos, paqueras, salário na conta e saúde boa. Uma vida encaminhada para onde dizem estar o tal sucesso. Mas sempre que lia aqueles artigos na internet “dez lugares para conhecer antes de morrer”, batia a vontade de fazer as malas. Perto de completar 30 anos, compreendi a agonia no peito: preciso um tempo livre para realizar o sonho de dar a volta mundo.
O primeiro passo foi pedir demissão do G1 Pernambuco, onde atuava como repórter há seis anos. Na Europa, é comum tirar um ano sabático. No Brasil, a realidade é outra: ainda estamos condicionados a ter a carteira assinada, casar, ter filhos e viajar nas férias. Foi uma decisão corajosa, admito, mas a questão financeira estava resolvida. Durante o tempo na Globo Nordeste, eu investi na previdência privada.
O segundo obstáculo a ser vencido: ir sozinha ou não? Decidi que não dava para esperar companhia. É difícil encontrar alguém na mesma sintonia e condições de embarcar em uma aventura sem data para voltar. Confesso que não pensei nos riscos de ser mulher. Achei que o Brasil já tinha me preparado para qualquer situação.
Por fim, faltava decidir para onde e quando partir. Ser selecionada para trabalhar na Disney, na Flórida, foi providencial. Após despedidas e choros, viajei em maio de 2015 para os Estados Unidos. Vesti a pólo verde com a bandeira brasileira e passei quase três meses em pé na recepção do Port Orleans Resort ajudando hóspedes a ter uma “magic experience”. Fiz check-in, orientei passeios e comprei tickets para famílias inteiras falando portunhol.
Ao fim do contrato, juntei mais mil dólares na poupança e visitei México, Belize, Guatemala, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai. Quase 80% da hospedagem foram gratuitas, pois aderi ao Couchsurfing, um serviço de hospitalidade, com base na internet. O programa te conecta com locais que topam receber turistas em casa sem cobrar nada. Paga-se com a troca de experiências.
Foi preciso coragem no começo para dividir o teto com um desconhecido. Tive que aprender regras, afinar costumes. Todos que me receberam foram respeitosos e mostraram lugares especiais. Voltei em janeiro de 2016 ao Brasil para rever a família e brincar carnaval. Notei que sobrou dinheiro em caixa, pois gastei menos do que esperava: cerca de R$ 20 mil em oito meses.
Assim, em maio de 2016, fui à França, onde fiz dois voluntariados. No primeiro, arrumei quartos em um camping na cidade de Fontainebleau, a uma hora de Paris. No seguinte, fiz reparos em uma fazenda de oliva em Toulon, no sul do país. Trabalheipor dois meses em troca da hospedagem e alimentação, gastando 500 euros em custos básicos e passeios nas folgas. Comi baguete, tomei vinho, escalei pedras, participei da Eurocopa e do Fête de La Musique. Li o Pequeno Príncipe em francês, admirei quadros impressionistas e fiz topless nas praias do Côte d’Azur. Um dos meus lugares favoritos no mundo!
Segui viajando pela Itália, Suíça, Inglaterra, Irlanda, Irlanda do Norte, Escócia, Espanha, Croácia, Hungria e fui parar na Rússia, em setembro, onde trabalhei em um albergue em Moscou por cinco semanas, também em troca de cama e comida. Minha função era liderar tours e tirar fotos para as redes sociais. Nos dias livres, visitei São Petersburgo e vilarejos medievais do Anel de Ouro. Entrei no Kremlin, no mausoléu de Lenin e na onírica catedral São Basílio. Vi a cápsula de Yuri Gagarin no Cosmonautics e pinturas no Tretyakov. Li Dostoiévski, bebi vodka na Avenida Petrovsky e um DJ de Vladivstok me roubou um beijo. Não gastei mais de 200 euros neste outro ponto alto da viagem.
De lá voei para a Índia, aquela mistura de magia e destruição. Imagine que este foi meu primeiro contato com a Ásia e escolhi desembarcar logo a caótica capital, Nova Délhi. No quarto dia andando sozinha naquela babilônia de barulho, sujeira, multidão e olhares lascivos, chorei de estresse ao tentar atravessar uma rua com motos endiabradas e um policial de trânsito que era mera autoridade ornamental. Tomei a decisão de viajar 17 horas de trem para encontrar uma amiga brasileira já quase na fronteira do Paquistão, em Jaisalmer.
Aviões de caça sobrevoavam a minha cabeça naquela área de tensão bélica, mas ali, com uma parceira, me senti mais segura. Andei de camelo, dei banho em elefante, vi parque tomado por macacos e templo onde se cultuam ratos. Tomei o mais gostoso lassi, espécie de iogurte, e provei samosas, um salgado picante. Fumei shisha, orei em templo jainist, dormi no deserto. Discuti com um homem que passou a mão na bunda da minha amiga, soltei fogos no Diwali, assisti um Bollywood no mais antigo cinema indiano e cantei Jorge Ben no Taj Mahal. Preciso voltar lá. Foram apenas 30 dias para sete mil anos de história.
Em novembro, cheguei ao Sudeste Asiático. Bangkok, capital da Tailândia, estava em luto pela morte do adorado rei Bhumibol. Vesti preto e fiz minhas refeições gratuitas no funeral do palácio real. Mochileiros estão amparados por uma deliciosa impunidade! Naquela região, decidi a cada dia qual seria o novo destino, entrando e saindo de ônibus, dormindo em hostel por U$ 5. Assim, conheci Laos, Camboja, Malásia, Singapura e Vietnã em três meses.
Vietnã conquistou meu coração. Pensei que encontraria o país ainda arrasado por anos de conflitos. Ao contrário, cidades crescem em ritmo alucinado, impulsionadas por um capitalismo voraz. O que me arrebatou foram mulheres batalhadoras e homens com um olhar asiático que pareciam conhecer o outro lado das coisas. Senti que fui útil ao ensinar inglês para jovens em Sapa. Andei de caiaque entre icebergs de pedras em Halong Bay, rodei de bicicleta em arrozais de Nim Binh, chorei no museu sobre a Guerra do Vietnã em Ho Chi Minh e tomei cerveja barata no Old Quarter de Hanoi.
São coisas simples assim que nos faz entender porque temos medo da morte, diz Gabriel García Marques. Lembre-se: caixão não tem gaveta! Gaste-o no que te traz felicidade agora. Voltei novamente ao Brasil em janeiro de 2017, ainda com alguma economia sobrando. Enquanto você lê isso, eu trabalho em um hostel na Sicília. De lá quero pisar nos últimos continentes que me faltam, África e Oceania.
Verdade que eu tinha a situação perfeita para viajar, mas vi gente na estrada com perfis variados. No geral, há quem quer se curar ou se ferir. A minha foi a segunda opção. Eu me arrisquei tomando todas as decisões, para o bem ou para o mal. Agora, carrego cicatrizes dessa viagem solo e aconselho fazer o mesmo, pois no fim você voltará uma versão melhor, conhecedor dos próprios gostos e opiniões.
Também aprenderá a se adaptar às situações adversas e verá que todo país tem pontos bons e ruins, dando assim mais valor à terra natal. Quando voltar para casa, a cabeça estará cheia de idéias, talvez até descubra uma nova vocação. Você vai sentir saudade do que ficou. Ficar insegura sobre o que virá. Mas hoje eu já sei que tudo valeu a pena pelo meu sonho. E qual é o seu?
MAIS INFORMAÇÕES:
A Luna comprou passagem para pontos específicos e de lá, foi montando um roteiro, sem comprar passagem prévia ou ter que desmarcar em cima da hora. Muitas vezes preferiu trem e ônibus ao invés de avião justamente porque não queria roteiro definido. Mas.. Mas existe A passagem volta ao mundo (RTW), e é uma passagem com diversos voos comprados de uma única vez que permitem o viajante fazer a volta inteira no globo, saindo e retornando de um mesmo ponto. Basicamente existem 3 alianças que fazem a venda dessa passagem: Star Alliance, Sky Team e One World. Cada aliança tem um grupo de companhias aéreas que fazem os trechos.
VANTAGEM: As datas dos voos podem ser alteradas ilimitadamente sem taxa (conforme disponibilidade). Você pode até deixar datas de voos em aberto. Isso garante flexibilidade total com datas.
DESVANTAGEM: A passagem dura um ano, o roteiro deve ser decidido no momento da reserva e elas só usam as empresas aéreas da sua aliança (nem sempre oferecendo voos ou voos diretos para o destino exato que você quer ir, daí você precisa buscar outras alternativas para o seu roteiro).
Conheça as REGRAS GERAIS da passagem de RTW:
O viajante precisa fazer a volta no globo em um único sentido
A viagem deve começar e terminar no mesmo país
O roteiro precisa ser definido no momento da reserva
O número de trecho voados deve ser entre 3 e 16
Existe um número limite de trechos a serem voados em cada zona territorial
Voos com conexão também contam como trecho voado ou para contagem de milhas
A passagem existe para todas as classes: primeira, executiva e econômica
Mais informações: https://www.roundtheworldflights.com/