Eles estão entre nós. Possuem revistas voltadas para o seu grupo, restaurantes exclusivos, marca de roupas e muitos outros produtos especializados – além de filosofia própria e muita discussão e curiosidade em torno do seu modo de vida. E apesar de toda essa sensação de especificidade, não são pessoas distantes da realidade social em que estão inseridas: você já deve ter conhecido alguém que seja, ou já ouviu falar sobre o assunto. Os vegetarianos, ao contrário do que alguns ainda imaginam, passam longe de ser um grupo pequeno e esquisito. São pessoas ligadas a questões ambientais, e conscientes do nicho de mercado que se tornaram, sobretudo com a expansão dessa cultura e o consequente aumento no número de adeptos.
Em 2011, uma pesquisa do grupo IPSOS – Instituto de Pesquisas de Opinião Pública e Social – apontou que 28% dos brasileiros têm deixado aos poucos de comer carne em sua dieta diária. Nos Estados Unidos, 2,5% da população já é adepta da dieta vegetariana. No Brasil, não é diferente: no ano passado, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística – IBOPE revelou que 15,2 milhões de brasileiros já se declaram vegetarianos. Em face disso, vários produtos e serviços ligados ao universo dos que escolheram esta dieta surgiram e se estabeleceram como tendência definitiva de mercado.
A opção pela alimentação vegetariana ainda gera bastante discussão nos dias de hoje. Em oposição aos que são entusiastas do cardápio natural existem o que não só não concordam, mas também não aceitam e ainda desconfiam que uma escolha como esta possa trazer muitos prejuízos à saúde. O site da Revista Leal Moreira foi ouvir os dois lados da discussão, além de conversar com uma nutricionista para saber os mitos e verdades sobre a dieta vegetariana.
Do lado dos adeptos dessa cultura, está Robson Siqueira. Designer, ilustrador e estudante de artes visuais, ele se tornou vegetariano aos 15 anos – inspirado em manifestações como fanzines (revistas artesanais, editadas por fãs), textos e documentários que abordavam o vegetarianismo. Ele conta que o que chamou a atenção no movimento vegetariano não foi a defesa de uma rotina mais natural, e sim uma possibilidade de não se alimentar de animais – o que ele considera uma exploração. “Pra mim, particularmente, nunca teve muito a ver com ter uma vida saudável. Eu resolvi me tornar vegetariano principalmente por acreditar que nenhum animal precisa morrer pra que eu tenha que me alimentar, considerando que existem infinitas outras opções”.
Ele explica que a mudança gerou alguns conflitos, mas que não foi tão difícil de contornar. “No início foi bem complicado. Minha mãe reclamava de ter que preparar um prato diferente, e vivia dizendo que eu ia acabar adoecendo. Com o tempo, ela começou a se acostumar e até se especializou em preparar alguns pratos muito bons. Hoje é algo comum. Meu irmão mais novo também acabou se tornando vegetariano e foi tudo bem natural”.
Robson ainda conta que, quando decidiu tornar-se vegetariano, não o fez drasticamente. “Eu adotei um processo gradativo de mudança no hábito alimentar. Não foi algo do dia pra noite, mas também não foi nada difícil. Em quatro meses, eu consegui cortar completamente a carne de qualquer espécie do meu cardápio”, revela. Para passar por esse processo de maneira bem consciente, ele buscou informação por meio da internet e de bibliografia relacionada, e já soma mais de uma década consumindo apenas alimentos cultivados naturalmente. “Alguns livros me ajudaram bastante. Hoje eu tenho 27 anos de idade e 12 anos de vegetarianismo”. E fez questão de frisar que “nunca sofri de anemia, baixa resistência ou qualquer outra deficiência de proteína que a maioria dos nutricionistas alega ser consequência do não consumo da carne”.
Já Cassio França, produtor audiovisual, tem um pouco de desconfiança com essa dieta. Embora tenha amigos vegetarianos, não acredita que possa adotar a mesma ideia para sua vida – já que desde muito cedo tem uma dieta baseada em proteína animal. “Como carne desde que me entendo por gente, então acho que seria muito difícil deixar esse tipo de alimentação. Não é que não goste de ‘pratos’ vegetarianos, até incluiria nas minhas refeições tranquilamente, mas deixar a carne não é fácil”, declarou.
Cassio acha um pouco duvidosa a eficácia da dieta vegetariana por ser algo, em sua opinião, ainda envolto em dúvidas não esclarecidas sobre as substituições que devem ser feitas no cardápio. “Por talvez nunca ter tentado deixar de comer carne e não saber as reações verdadeiras que a retirada do alimento causaria no meu organismo, vem a desconfiança...”, disse.
Oferecendo a ótica profissional sobre o tema, a nutricionista e professora de nutrição Thayana Albuquerque não se opõe ao vegetarianismo. Ao contrário: ela acredita que a dieta vegetariana é benéfica – desde que acompanhada por um especialista. “Qualquer pessoa pode, em essência, se tornar vegetariana – desde que haja condições adequadas para tal”. Segundo a profissional, não há restrições de grupo para o estilo de vida natural. “Conheço pessoas de todas as idades que são veganas e vivem muito bem”, ilustrou.
Para Thayana, o hábito de afirmar que este tipo de alimentação é deficiente de proteína não passa de um mito. – ainda mais se o praticante seguir a subdivisão dos ovo-lacto-vegetarianos. “A dieta vegetariana não é necessariamente carente de proteínas, já que os alimentos vegetais também as possuem. E no caso dos ovo-lacto-vegetarianos, também há o consumo de proteínas advindas do ovo, do leite e de derivados”, esclarece. Ela também afirma que uma dieta vegetariana bem elaborada pode trazer a qualidade de vida que muitos tanto almejam e que poucos de fato têm: “se bem empregada, [a dieta] equilibra os micro e macro nutrientes do corpo”.
A nutricionista também destacou que os adeptos da dieta natural devem dar atenção aos vegetais que fornecem ferro e vitamina B12, e que esses nutrientes devem ser consumidos diariamente “com vitamina C, para melhorar a biodisponibilidade”. Thayana aproveitou para dar algumas dicas de como obter as vitaminas que o corpo necessita, sem precisar da carne: “a vitamina D pode ser produzida na pele, por banhos de sol; e a vitamina B12, produzida pelas bactérias intestinais, pode ter sua disponibilidade aumentada com o consumo de algas marinhas e levedura nutritiva, além de leites e iogurtes”.
Fique por dentro
*Subgrupo de vegetarianos
Ovo-lacto-vegetariano: Dieta sem carne, porém com consumo de itens de origem animal (ovos e laticínios).
Lacto-vegetariano: Sem carne e ovos, mas com consumo de laticínios.
Estrito vegetariano ou vegano: Rejeita todos os produtos de origem animal ou testados em animais (alimentos, vestuário, cosméticos, medicamentos etc.).
*Se você está pensando em se converter ao mundo natural dos vegetarianos, fique atento às seguintes dicas:
- Leia bastante sobre o assunto.
- Não comece de forma drástica – aos poucos, vá substituindo as refeições até estar seguro(a) de que vai conseguir se adaptar e seguir a dieta.
- Nunca comece uma dieta sem prévio aconselhamento nutricional.
- Consuma produtos vegetais orgânicos.
- Informe-se para entender melhor o funcionamento do seu corpo. Também procure saber mais sobre como equilibrar os nutrientes da dieta, além de alguns conceitos básicos de nutrição.
- É preciso que se tenha condições financeiras para trocar os alimentos mais populares (como carnes, enlatados, embutidos etc.) por outros que são integrais e mais saudáveis.
- Peça para um profissional elaborar e acompanhar sua dieta, e não deixe de realizar exames periodicamente para saber como o seu corpo está se adaptando à nova alimentação.
Fotos: Reprodução/Giuseppe Arcimbold/vista-se/