Em casas separadas

Vivendo em casas separadas, a história dos casais que decidiram dividir a vida, mas não sob o mesmo teto.

13/03/2012 17:16 / Por: Catarina Barboosa / Foto: Dudu Marajo
Em casas separadas

“Amor, você pode tirar a toalha molhada de cima da cama?”, pergunta candidamente – mas já sem paciência – a mulher descrente de que seu quinto pedido naquela semana (para que o parceiro não deixasse a toalha encharcada sobre o móvel), fosse atendido. “Querida, por favor, não use meu barbeador para depilar as pernas, sim?”, pede o marido, que na noite anterior tinha falado com a esposa sobre o mesmo assunto. Os dois engolem as indiferenças e saem para mais um dia de trabalho. “Você vai poder almoçar comigo?”, pergunta ele, pegando as chaves do carro. Ela responde, já entrando no elevador: “Claro, te ligo quando ficar livre”.

Não, o casal retratado acima não é bipolar. Trata-se, apenas, de uma situação pela qual você possivelmente já passou. Que casal nunca discutiu sobre as contas do final do mês, a louça suja na pia ou a necessidade (ou não) de um móvel novo para o lar.  Uma relação a dois é movida por várias minúcias e uma delas – você queira admitir ou não – são brigas, afinal, as relações são constituídas por duas pessoas com personalidades totalmente diferentes.

Mônica e João: firmes e fortes, mas em casas separada

Convivência é uma arte
Antes de embarcar em uma relação conjugal, a primeira experiência – similar – que muitos de nós tivemos foi a convivência familiar. Puxe pela memória e recorde quantas vezes você brigou com o seu pai, sua mãe ou com seus irmãos por coisas banais? Sem contar primos e tios. Então não é incomum que duas pessoas que se amam, e que dividem o mesmo teto, acabem discutindo sobre coisas triviais. Quando se trata de convivência, o assunto não se restringe somente ao amor, mas também ao cuidado com a individualidade, respeito e compreensão.

Com base nesses valores e possíveis desentendimentos que a convivência diária pode causar, há casais que decidem avançar na relação, sem incluir a etapa de “juntar os trapos”, como anuncia o velho ditado. Especialista em terapia familiar, a Gestalt terapeuta Natasha Mello explica que os casais que optam por se casar, mas morando em casas separadas, são comumente pessoas maduras, que já experienciaram o casamento tradicional e não estão nem um pouco preocupadas com o que os outros vão pensar e sim no que realmente as deixa feliz.

Os dois lados
Ser feliz. A funcionária pública Mônica Barbalho, 48, foi casada durante dezesseis anos. Em 1997, ela se separou e depois de dedicar um tempo só para si, começou um relacionamento com o engenheiro elétrico João Fonseca, 56, também divorciado.

Unidos pela mesma condição, em 1998, o casal resolveu dar uma nova chance para o amor e passou da fase da paquera para o namoro, em curto espaço de tempo. Curtíssimo, por sinal – apenas um ano. Apaixonados, os dois decidiram morar juntos, mesmo com a experiência do primeiro casamento. Inicialmente, a decisão pareceu uma boa ideia – e afinal eles não se arrependem. Contudo, depois de cinco anos dividindo o mesmo espaço, eles passaram a ter algumas divergências e uma franca conversa culminou com a decisão de continuarem firmes e fortes na relação, mas não compartilhando o mesmo ambiente.

Com a decisão, Mônica voltou para a casa dos pais. João voltou para o antigo apartamento e o local em que eles viviam juntos foi vendido. “Diante das circunstâncias, a decisão foi a mais correta”, garante João com o consentimento de Mônica. Acreditem. A difícil decisão de morar em casas separadas chega a se tornar um detalhe irrisório, ante a firmeza de decisão dos dois e quando ouvimos de ambos as palavras “fidelidade”, “cumplicidade” e “duradouro” com tanta frequência e veracidade. Mônica e João possuem uma visão simples e prática do relacionamento. “Experimentamos os dois lados e de acordo com a nossa realidade essa foi a maneira que encontramos para continuar juntos”, sintetiza Mônica.
 

A terapeuta Natasha Mello: "morar em casas separadas minimiza os atritos entre os casais"

A tentativa de manter a relação deu certo. O casal não cogita – nem de longe – a possibilidade de acabar. Quando indagada sobre a hipótese de se viveria em casas separadas com o primeiro marido, em uma tentativa de salvar a primeira relação, Mônica responde de prontidão. “Nunca passou pela minha cabeça. São situações totalmente distintas. O que eu tenho com o João é diferente”, diz ela com sorriso no rosto.

Quando moravam no mesmo apartamento, o casal cultivava o hábito de almoçar e jantar junto todos os dias e atualmente eles continuam fazendo a mesma coisa. “Confesso que a nossa vida não mudou muito. O João me pega todos os dias no trabalho para almoçarmos e à noite, antes de ir para a casa dele, ele vem jantar comigo em casa. A gente só não dorme mais junto todos os dias”, brinca a funcionária pública com humor. Além dos almoços e jantares, no fim de semana eles ficam “full time”, como denomina o João. “Somos um casal que quer as mesmas coisas e isso inclui nos ver com o máximo de frequência. Mesmo morando longe, pensamos sempre no coletivo. O detalhe da casa é só uma forma de mantermos uma relação longa e duradoura”, defende.

Excluindo os inevitáveis conflitos cotidianos, resta aos dois aproveitar os lucros do relacionamento. “Onde não existe rotina, o namoro é constante. Entre os benefícios posso destacar a privacidade que temos, já que morando em casas separadas não há como um invadir o espaço do outro”, declara.
Mas como nada no mundo é totalmente bom ou totalmente mau, há empecilhos de morar em casas distintas. “O ruim é quando a saudade e a solidão apertam, aí eu ligo para ela e procuramos nos encontrar”, soluciona o engenheiro.

Mente aberta
Pressão social. É inevitável praticá-la ou ser vítima dela. Casais que namoram há certo tempo se defrontam com a cobrança do casamento. Casados há certo tempo, com a cobrança dos filhos, ou seja, se você nunca cobrou essas atitudes de alguém possivelmente já foi cobrado.

A terapeuta Natasha Mello afirma que essa preponderância vem desde os bens de consumo que adquirimos, passando pelos costumes, regras, normas chegando até os padrões de relacionamento. Os casais que optam por estar comprometidos, mas morar em casas separadas, normalmente são pessoas que deixam os padrões sociais um pouco de lado e colocam em prática – com base em relacionamentos passados – o que funcionou e o que não funcionou para eles. Ou seja, “é a soma de contingências aliada às experiências que fazem com que as pessoas optem por manter a relação, mas em casas isoladas”.

Se tomarmos por “mente aberta” quem abre mão dos padrões, essas pessoas podem ser enquadradas nessa categoria. Contudo, Mello faz uma ressalva. “Esta opção de relacionamento não deve ser confundida com uniões abertas a experiências amorosas paralelas, uma vez que os mesmos compartilham a ideia do compromisso”, esclarece.

Longe dos padrões
A professora Ruth Elias, 65 anos, afirma não sofrer e muitos menos se importar com pressões por parte da família, parentes ou amigos. Há 26 anos em uma relação estável com o professor e também advogado José Costa, 59, o casal nunca dividiu o mesmo teto, aumentando o grupo de casais que não usou a técnica de morar separados como forma de manter a relação.

Mello esclarece que no caso da Ruth, ou seja, dos casais que não passaram pela experiência do casamento tradicional, mas optaram por morar em casas isoladas, pode-se dizer que são pessoas mais maduras, que desejam um relacionamento estável, sem abrir mão do seu espaço, da sua individualidade.“É possível que este tipo de relacionamento proporcione menos crescimento ao casal, uma vezque existe a opção de adiar o conflito, indo cada um para sua casa. Porém para alguns casais, talvez essa alternativa funcione, seja saudável, pois se tem a opção de esfriar a cabeça e depois se conversar”, explica.

Além da surpresa de nunca ter pensado em morar junto, o casal admite nunca ter brigado durante esses 26 anos de relacionamento. Logo, desgastes por brigas banais não estão incluídos na vida do casal, que preza antes de tudo pelo respeito. “Parece engraçado, mas antes de sermos parceiros, somos amigos e dividimos gostos sobre diversos assuntos, desde temas decorativos, preferências musicais, locais para viajar, ideias sobre outras pessoas, passeios, programas e até visitas”, explica Ruth.

Viver sem se preocupar com rótulos ou com o próximo passo. Aproveitar o que realmente importa em uma relação a dois: a vontade de um estar junto ao outro. Esse é o motivo de Ruth e João para definir por que eles nunca se preocuparam com questões como morar junto ou separado. “Nós fomos simplesmente vivendo a relação como uma característica dos anos 80. Era comum naquela época namorar sem se preocupar com o casamento. Quando vimos estávamos dentro de um tempo e espaço adquiridos pela força do hábito e do prazer”, argumenta a professora.

Se o tópico passa a ser fórmulas para salvar a relação, José argumenta. “Quando pensamos na gente e em uma possível separação, nosso medo não tem nada a ver com convivência. Preocupamo-nos se um dia o sentimento de gostar um do outro for embora, acabar. Encontrar-se com menos frequência pode até fortalecer o relacionamento, já que isso indica que sempre haverá algo novo entre nós, mas presença ou distância não são o centro ou a base de nosso amor”, defende.

Como todo casal apaixonado, eles se encontram várias vezes todos os dias. O que aparenta ser uma rotina estabelecida pelos horários de trabalho e almoços pode ser facilmente modificado, segundo Ruth. “Como moramos longe um do outro temos mais liberdade e opções de novidades, ou seja, dá para fazer umas surpresas cotidianas”, provoca.

Sobre morar juntos, o casal afirma que só fala sobre isso na brincadeira, porque a vida está muito boa como está – “e se está boa, por que mudar”? Mas confessa que se um dia a velhice se tornar uma necessidade na vida de ambos, eles se amam o suficiente para dar esse passo em prol do bem-estar dos dois. É o amor junto com o respeito e a vontade de estar junto um do outro, que faz com que esses casais apostem em novas formas de convivências ou modelos de vida. De forma geral, não há fórmulas e nem subterfúgios que garantam o sucesso ou o fracasso de uma relação conjugal.

Cada casal, que está disposto a se amar, respeitar, compartilhar uma vida e rir dela junto sabe o seu limite. O essencial é olhar para alguém e querer estar com essa pessoa. É ter alguma faísca de certeza de que você não seria feliz de outra forma. Diante disso, a louça é um detalhe irrisório, assim como as contas no fim do mês ou a cor do tecido do sofá. O que virá além do sentimento de querer estar com alguém, deve ser um pormenor diante do que te faz feliz.

Conheça algumas celebridades que se casaram, mas moravam em endereços diferentes:
Frida Kahlo e Diego Rivera
Diferente dos nossos casais, que prezam pela fidelidade, a pintora mexicana Frida Kahlo e o muralista Diego Rivera se casaram, mas também moravam em casas separadas. Contudo, ambos viveram múltiplas aventuras amorosas fora do casamento. Ambos moravam em casas separadas, mas curiosamente interligadas por uma ponte.

Helena Bonham Carter e Tim Burton
A insônia e o ronco do diretor Tim Burton podem ser alguns dos motivos, mas não as causas, para que ele e sua esposa, Helena Bonham Carter – que gosta de dormir em silêncio – morem em casas separadas; os argumentos vão desde privacidade até decoração da casa. Os dois vivem em Londres, em uma mansão interconectada. Além disso, eles têm acesso a uma terceira residência, ocupada pelos dois filhos do casal, Billy Ray, Nell e mais uma babá.

Rita Lee e Roberto de Carvalho
Quando morava na mesma casa com o marido, a cantora e o companheiro dormiam em quartos separados. Segundo ela, quando o casal divide tudo o tempo todo não sobra espaço para o romance. Hoje, eles não dividem nem o mesmo quarto e nem o mesmo endereço.

Woody Allen e Soon Yi
Desde o casamento com a atriz Mia Farrow, o diretor Woody Allen já era adepto de casar, mas morar longe da esposa. Hoje, marido de Soon Yi – filha adotiva de Allen com Farrow –, o diretor continua apostando no relacionamento em casas distintas.

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