Cidadãos do mundo

Conheça pessoas movidas pela paixão irrefreável por aprender novas línguas e experimentar outras culturas.

07/06/2013 16:14 / Por: Bruna Valle / Fotos: Sergej Khackimullin/ Fotolia/ Internet / Shutterstock
Cidadãos do mundo

“Como será o mundo além do que se vê?” – essa deve ser a pergunta que mais transita na cabeça dos inquietos visitantes de outros países. Eles vivem ávidos por conhecer outros lugares que ainda não viram e ainda falar a língua dos nativos, para assim ter uma ligação mais forte com aquele povo e suas particularidades. Assim com as melhores revistas, livros e canções, as que mais encantam falam de universos longínquos, pessoas desconhecidas, lugares ricos em informações valiosas sobre o segredo da vida e a beleza de conhecer civilizações e costumes novos e interessantes. No mesmo rumo vão esses habitantes de qualquer lugar, que até mesmo passam meses guardando as economias para lambiscar novas descobertas e inusitados sentimentos de autoconhecimento e liberdade.

Fazer sacrifícios e ter uma vida fora do comum é uma das características dessas pessoas, como a professora, tradutora de francês e escritora Bruna Guerreiro. Ela viu seu desejo de aprender outros idiomas despertar nas palavras do avô paterno que sempre leu em inglês - quando não era nada comum saber outros idiomas, mais ainda por estar no interior do Pará.

Mesmo tendo começado do jeito mais convencional a estudar línguas estrangeiras, iniciando pelo inglês aos nove anos por influência dos pais, Bruna não parou por aí: foi em busca de outras formas de se comunicar com o mundo e poder ter acesso a ele mais intimamente. Descobriu que tinha facilidade para a coisa e largou tudo mais que estava fazendo, como aulas de piano, para avançar a caminho do conhecimento de outras falas.

Caminhou pelo francês, espanhol, alemão e deu um pulo no italiano, mas ficou mesmo no francês – e fez da paixão de infância um meio de ganhar vida. “O inglês começa daquele jeito clássico, né? Papai e mamãe colocam a gente no curso e tal. Larguei o piano porque queria fazer francês, e comecei meu segundo idioma estrangeiro aos 11 anos. Comecei o alemão aos 17 anos e o italiano aos 19, mas aos 20 parei tudo quando me mudei pra São Paulo. Lá, anos depois, voltei pro francês, que sempre foi minha maior paixão”, conta. “Eu já era formada, na verdade, mas queria fazer o curso superior (Nancy, na Aliança Francesa). Tinha aula de literatura francesa, tradução, história da França, além de língua francesa, claro. Resultado: virou profissão”.

Essa experiência não só trouxe uma vasta gama de conhecimento, mas amigos e uma inspiração profunda para a vida. “O curso me rendeu conhecer o maior mestre que eu já tive, o professor Jean Briant. Um cara incrível, amigo, generoso, paciente, que ama o que faz e que eu admiro até o fim dos ‘para sempre’ todos!”, elogia.

Difícil é fazer as pessoas entenderem esse apreço especial por um conhecimento multicultural e diverso. A maioria das pessoas, segundo Bruna, entende como algo desnecessário, uma forma de ostentação ou desatino. “Para falar a verdade, a maioria das pessoas trata isso meio como se fosse uma ‘coisa de gente chique’, né? E não é. Eu morei numa quitinete por dez anos, tive o mesmo carrinho por quinze anos, gastando meu dinheiro com cursos e viagens. É uma questão de prioridade”, argumenta. “Algumas pessoas acham meio ‘cult’, difícil, inalcançável, sei lá. Talvez admirem também, mas acho que na maioria das vezes eu sofro um bullying do bem por ser tão ‘cdf’!”.

Viajar é assunto sério para a jovem professora – e, ao mesmo tempo, o pote de ouro no fim do arco íris, uma amostra de felicidade. Na hora de embarcar em uma nova jornada, ela planeja tudo para que seja uma experiência única de puro encanto. Como ela mesma diz, “viajar é sonho constante, projeto constante. Eu não viajei muitas vezes para o exterior, mas assim que eu volto já estou pensando na outra viagem”. Se o assunto é dinheiro, o destino é certo: partir. “Eu no fundo acho que dinheiro serve pra isso, pra viajar. Eu amo aprender coisas novas sobre os lugares que visito, mas acho que amo mais ainda ver ao vivo coisas que aprendi na teoria. Por isso, quando vou viajar, eu passo meses lendo guias de viagem. Adoro planejar a viagem! Quando chego lá, já sei tantas coisas sobre os lugares que visito que tudo ganha mais intensidade, porque sei quem passou por ali, o que aconteceu naquele lugar etc. Fica tudo mais rico”, revela.

O ponto alto dos passeios em outros lugares do globo é a visitação dos lugares que figuraram em seus livros ou histórias favoritas, além de sua intensa paixão pela capital francesa. “Eu tenho uma coisa com Paris que é meio fora do corpo, sei lá. Aquela cidade me entranha e me faz chorar. Sofro de saudades de lá como se fosse de casa. Londres foi o lugar que eu passei mais tempo sonhando visitar, desde criança quando comecei a ler Sherlock Holmes. Virar na esquina da Baker Street disparou meu coração, ver o 221B, só faltei morrer na calçada! Tudo em Londres foi mágico, o Big Ben, a Saint Paul's Cathedral (Mary Poppins!), a King's Cross (Harry Potter!)… É uma cidade muito cheia de referências”, admitiu.

Segundo Bruna, nutrir esse carinho e dedicação especial por aprender outras línguas e culturas é mais do que benéfico – podem até auxiliar na construção de outras formas de conhecimento. Como aluna, ela alerta: “cada idioma que você aprende multiplica a sua capacidade cerebral de aprender qualquer outra coisa. Então, se vocês não se cuidarem eu vou ficar mais inteligente que vocês todos”, brinca. Já como professora, ela aconselha quem quer começar a adentrar este universo multicultural. “Quando você vai estudar um idioma estrangeiro, você tem que não apenas querer saber aquele idioma. Você tem que querer aprender, tem que curtir o processo da aprendizagem. Senão é uma chatice mesmo, e aí você acaba desistindo. Aprender tem que ser tão gostoso quanto saber, ou mais”.

Já a servidora pública Daniela Nevoni Xavier da Silva não levou a paixão para o ramo profissional, mas também tem vasto conhecimento em outros idiomas – e já soma quatro deles:  inglês, francês, italiano e alemão. Assim como Bruna, Daniela procurou o caminho do estudo de idiomas “porque sempre gostei de línguas, história e de literatura. Nos tempos de colégio, sempre ia bem em português e inglês, que foi meu primeiro idioma estrangeiro. Esses idiomas me trouxeram um maior contato com o país, povo e a cultura de origem”.

Segundo Daniela, saber a língua do país que você está visitando é crucial para ter uma experiência única de descobrimento e interação com os anfitriões das cidades. “A diferença no tratamento dos nativos quando veem que você fala a língua deles é gritante”. Ela, que cultiva amigos nos EUA, na França e na Alemanha e ainda parentes na Itália, sente que poder viajar é plantar conhecimento em si mesma – algo indispensável e precioso para vida. “Viajar, para mim, é uma forma de ver a vida e de apreciá-la. É um aprendizado cultural que você agrega e que levará para sempre com você. Costumo dizer que viajar é a única ‘coisa’ com que você gasta dinheiro para fazer, mas que te torna mais rico”, arremata.

Daniela destaca que a paixão pelo conhecimento gera um punhado de elogios, desperta a curiosidade alheia, mas também gera críticas. Segundo ela, “algumas pessoas se mostram muito curiosas e interessadas em saber por que falo tantas línguas e sempre pedem para que eu fale alguma coisa para ouvirem ou para aprenderem alguma palavra. Mas tem gente que faz cara de indignação e me pergunta ‘para que estudar tantos idiomas?’. Tem gente que acha que você é pedante só por querer agregar conhecimento e cultura à sua vida. São os pobres de espírito, como costumo dizer”, destacou.

O que as pessoas deveriam ter em mente, na opinião de Daniela, é que falar o idioma do lugar em se visita abre muitas portas, em todos os sentidos. Até as autoridades locais veem com bons olhos e se tornam mais afáveis com o forasteiro. “Uma das melhores sensações do mundo é poder visitar uma cidade num país estrangeiro e saber da história e detalhe de cada canto da cidade; e poder ser bem tratada, inclusive na imigração, pelo simples fato de se falar o idioma local. Os nativos ficam muito felizes quando encontram um turista interessado na cultura deles”, revela.

Amigas, Daniela e Bruna não têm planos de morar fora do Brasil. Daniela não poderia em função de seu emprego, mas se fosse possível morar fora “seria uma decisão difícil, pois ficaria na dúvida entre Paris, Londres, Berlin e Bruxelas”. Já Bruna tem dúvidas se conseguiria deixar a Cidade das Mangueiras, mas, se fosse uma possibilidade sólida, Paris seria a primeira opção. Em seguida, Londres e Bruxelas seriam alternativas. Parece que as duas dividem os mesmos sonhos.

Sobre o afã de descobrir o mundo, Bruna resume a pressa em ver coisas novas em um raciocínio simples – porém de sabedoria inquestionável: “tem coisa demais no mundo pra gente achar que não é com a gente. Tudo é com a gente, tudo é comigo e contigo, então queira saber. Querer saber é o primeiro passo. O resto vem na esteira”.

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