O sabor de um prato logo após sair do forno é insubstituível? Para muitos sim, afinal não há nada melhor do que uma comida quentinha. Porém, os adeptos de uma corrente alimentar no mínimo curiosa, que está ganhando seguidores em todo mundo, pensam diferente. Para eles, fogão, forno elétrico e frigideira apontam para uma sociedade ultrapassada, desconectada com as novas tendências alimentares. A dieta vegetariana conhecida como Crudicismo, ou Raw Food (comida crua), tem um preceito básico que causa controvérsias na sociedade médica e nutricional do mundo: nada de temperaturas acima de 48°C no preparo dos alimentos.
O crudicismo nasceu a partir de pesquisas que apontaram a diminuição de nutrientes e de enzimas em alimentos após o cozimento. A perda de fibras, vitaminas, minerais e água em alguns alimentos que vão para a panela fez com que um grupo de médicos norte-americanos começasse a bolar receitas baseadas em ingredientes crus. Dezenas de livros foram lançados entre o final da década de 90 e meados de 2000 trazendo informações sobre a doutrina, que defende que o alimento cru proporcionaria não só o melhor funcionamento do corpo humano, como também auxiliaria no tratamento e cura de doenças, como o câncer de mama, por exemplo.
Entre os precursores do Raw Food está o americano Stephen Arlin, autor do best-seller Nature’s First Law: The Raw Food Diet (“A Primeira Lei da Natureza: A Dieta da Comida Crua”), lançado em 1999. Ele é um dos sócios da maior loja de crudicismo do mundo, a Nature’s First Law (A Primeira Lei da Natureza), em San Diego, Califórnia. No livro, ele enumera os benefícios da comida crua, baseando-se em pesquisas científicas, como a publicada em 1998 pela revista americana Epidemiology. Segundo o estudo, uma dieta rica em alimentos crus e em frutas pode reduzir o risco do aparecimento de cânceres como o de mama e o de cólon. Outro estudo, que também serviu de base para os argumentos de Arlin, publicado no British Medical Journal em 1996, afirma que a ingestão de frutas frescas pode reduzir em 24% as chances de ataque cardíaco.
E engana-se quem acredita que o hábito alimentar de um crudista gira em torno apenas de umas folhagens arranjadas com frutas. Canelone ao molho sugo, docinhos de castanhas com passas, lasanha de berinjela, torta de chocolate com tâmaras e mel são apenas algumas opções no cardápio de Humberto Teixeira, adepto do Raw Food desde o ano passado. Bailarino e coreográfico profissional, Humberto se interessou pela doutrina após sentir o peso de anos dedicados à dança. “O dançarino é como um atleta. Cedo ou tarde acaba transparecendo no corpo o cansaço de tanta dedicação. Foi na busca de uma vida mais saudável, já que minha estrutura física pedia isso, que eu comecei a ler sobre alimentação e conheci o Raw Food. Após um tempo sendo adepto da dieta comecei a sentir a diferença. Muita mais disposto, senti o meu organismo consideravelmente mais forte”, conta.
Na época em que morou na Alemanha, na cidade de Karlsruhe, Humberto fez um curso em que aprendeu a culinária crudista com uma professora conceituada na área. Lá, se especializou na gastronomia do raw food e, desde então, passou a fazer consultorias para interessados pelo crudismo. “Na Alemanha, após fazer o curso, que me rendeu um menu variado de raw food, comecei a prestar um serviço em que eu passava o dia na casa das pessoas ensinando pratos e dando dicas de como melhor aproveitar os alimentos crus”, relata. Humberto atualmente está em Belém, onde ministra cursos de dança e também elabora coreografias. “Estou disposto a ministrar cursos de raw food na capital paraense. Se alguém tiver interesse é só me contactar pelo e-mail humberto.alfa@gmail.com”, diz.
Doce de castanhas com passas: uma opção de guloseima que não vai para o fogo |
Comer ou não comer alimentos crus? Eis a questão
A dieta crudista tem um número expressivo de seguidores, principalmente nos Estados Unidos. Lá, inclusive, entre os adeptos do crudicismo ganha “status” quem consegue seguir com mais rigor a doutrina – que além de sugerir apenas a ingestão de alimentos crus, também não aceita o consumo de alimentos processados, como o leite e a manteiga, por exemplo. Entre posicionamentos mais extremados e aqueles que apenas se simpatizam com o raw food fica a dúvida: comer alimentos crus faz bem ou mal à saúde?
Esta pergunta realmente ainda não tem uma resposta definitiva. As pesquisas científicas apontam para os dois lados. Enquanto alguns estudos, como os citados acima, identificam os pontos positivos da dieta - que dizem respeito principalmente à conservação de nutrientes -, outras pesquisas vão para caminhos opostos. Por exemplo: pesquisadores da Rutgers University, em Nova Jersey, Estados Unidos, publicaram um estudo que mostra que a quantidade de ferro que pode ser absorvida pelo organismo humano cresce de 6,7% no repolho cru para 27% no repolho cozido. Ou seja, esta questão da perda ou ganho de nutrientes pode ser relativa, de acordo com cada legume, fruta ou semente.
Além disso, há outra questão preocupante: a higienização dos alimentos. O cozimento é uma das formas mais eficientes de matar germes e bactérias que se instalam nas frutas e leguminosas. Para a nutricionista Ana Lúcia Fontenelle, este é o maior motivo de dúvidas sobre a dieta. “Que alguns alimentos crus realmente possuem mais nutrientes isso é fato. As vitaminas, as fibras podem sumir junto com a fumaça do cozimento. Porém, a prática de cozinhar os alimentos mata alguns microorganismos que são altamente prejudiciais à saúde humana. Para seguir esta dieta é necessário adequar métodos eficientes de limpeza aos alimentos crus, mas é difícil encontrar um tão eficaz como os relacionados a altas temperaturas”, considera.
Humberto Teixeira, adepto do raw food: "Sinto meu organismo muito mais resistente". |
Para Humberto, o conflito se resolve da seguinte maneira: “Se o cozimento mata alguns microorganismos, ele também destrói com os nutrientes da comida. Entre uma coisa e outra, prefiro resguardar as fibras, proteínas e vitaminas do alimento, assim meu organismo fica mais forte e mais resistentes a estes microorganismos.”
Fica a seu critério: jogar o fogão fora ou não?
Prós:
- Com a conservação das enzimas e dos nutrientes o organismo processa com muito mais facilidade os alimentos. O que significa um intestino bem mais ajustado.
- Comidas cruas dão mais sensação de saciedade. Por isso, a dieta emagrece.
- As combinações de algumas verduras, leguminosas e frutas têm poder fitoterápico.
Contras:
- Como não conhecemos inteiramente a procedência dos alimentos que chegam às nossas casas é bom ter cuidado redobrado com a limpeza dos alimentos. E para isso, o fogão é o maior aliado.
- A dieta crudicista não é reconhecida pela sociedade médica nutricional como benéfica para a saúde humana.
- O crudicismo não inclui alguns tipos de alimento na dieta. Carne, por exemplo, fica fora. O que implica na não ingestão de alguns nutrientes que pertencem a outras classes de alimentos que não sejam as verduras, legumes e frutas.
Conheça mais (páginas em inglês):