"Vovó costumava falar que agosto era o mês de desgosto. Não era auspicioso ficar na rua até tarde. Passar em encruzilhada sozinho no “mês do desgosto”, então, era fora de cogitação!”. Durante a infância, as explicações sobre os motivos que exigiam determinado comportamento nem sempre eram oferecidas,mas descumpri-las também não fazia parte dos planos. Já aos 22 anos de idade, os mistérios que envolvem o mês já não ditam tanto as atitudes do designer gráfico Lucas Melo ainda que alguns rituais façam parte do cotidiano. “Um galho de arruda nunca falta. Evito passar por baixo de escada e sempre procuro ter semente de romã na carteira pra atrair dinheiro”, não esconde. “Sempre me benzo ao sair de casa ou qualquer lugar. Acredito que esse gesto atrai proteção de Deus e dos anjos e me sinto mal quando esqueço esse ritual.”
Das lembranças, Lucas interpreta o que antes era seguido pelas crianças da família mais como uma tradição, porém sem deixar de lado o misticismo que já esteve impregnado nos conselhos dos mais experientes. Para ele, sendo mês de agosto ou não, as más energias podem ser afastadas com simples gestos. “Eu prefiro afastar as energias negativas com muita oração e os banhos de sais grossos e ervas lá do Ver-O-Peso. Afinal, proteção nunca é demais”, sorri. “Em todos os meses, devemos ter cuidados. Qualquer mês tem a probabilidade de ser um mês de desgosto, isso vai depender unicamente de como você se porta”.
História
Não apenas dos conselhos das gerações mais antigas alimenta-se a fama de agosto. A história também ajuda a cercar de crendices o que poderia ser apenas mais um mês. Ao longo de vários anos, a coincidência de fatos que ocorreram exatamente no mês de agosto reforça, para alguns, a aura de mistério que cerca os trinta e um dias do oitavo mês.
Agosto, 1914. Há exatos cem anos, nos primeiros dias do mês, tem-se o reconhecimento do início da guerra que, após algumas semanas, já resultava na morte de mais homens em um único dia do que em guerras inteiras travadas durante o século XIX. Envolvendo quase todas as grandes potências, a Primeira Guerra Mundial marcou o mês de agosto com o início de sucessivas batalhas que resultaram sempre em perdas.
No Brasil, ano de 1954, um dos fatos mais lembrados pelos brasileiros também ocorreu no mês de agosto. Ainda de pijamas em seu quarto, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, o ex-presidente Getúlio Vargas tirou a própria vida. O dia? 24 de agosto.
Por mais que outros fatos sombrios sejam acumulados no mês de agosto em anos e épocas diferentes, – como o Massacre de São Bartolomeu, em 1572, na França; a Revolta de Varsóvia, em 1944, na Polônia e a destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki por bombas atômicas em 1945, para a historiadora Stela Pojuci, historicamente não existe ligação entre acontecimentos trágicos e o mês. “Historicamente, são fatos que poderiam ter ocorrido em qualquer mês. A Primeira Guerra, que esse ano completa cem anos, ocorreu em agosto, assim como a destruição de Hiroshima e Nagasaki pelas bombas atômicas – também aconteceu em agosto, mas não há justificativa histórica para a questão de que agosto é o mês do desgosto”, aponta. “Criou-se uma mística em torno do mês de agosto, mas, em cômputo geral, não há uma concentração maior desses acontecimentos no mês de agosto”.
Marcada por batalhas, guerras e disputas de poder, a história da humanidade acumula diversos acontecimentos tão ou mais sangrentos e que ocorreram em outros meses do ano, como aponta a professora. “Durante a Cabanagem, no Pará, 30 mil pessoas morreram e ela teve início em sete de janeiro. A escravidão negra durou 300 anos e também não teve ligação com o mês de agosto. Vários massacres não aconteceram em agosto. Há referências históricas de batalhas que aconteceram em agosto, mas nem tudo está concentrado nesse mês”.
Certo de que não há explicação racional para a atribuição de “mês do azar”, o cientista das religiões, José Antônio Mangoni, sinaliza o que pode ter dado início à superstição. “Na Bíblia, não há nenhuma associação ao mês de agosto, até porque seguiam um calendário lunar, com nomenclaturas bem diversas. Agosto é um nome latino que serviu para homenagear César Augusto”, ressalta. “O que pode trazer algum elemento é que, antigamente, em Portugal não casavam em agosto, pois era o mês que os navios zarpavam em busca de novas terras, logo casar era arriscar ficar viúva muito cedo dado que muitos navios naufragavam. Como fomos colonizados pelos portugueses, essa tradição veio junto aos navios e aqui foi ganhando novos significados”.
Escolhida a data do casamento justamente para o mês de agosto, a contadora Roberta Pinho Malcher está longe de acreditar em qualquer mau agouro ocasionado pelo mês. Desde a infância, inclusive, agosto é tempo de coisas boas. “A gente poderia até ter casado em outros meses, mas escolhemos agosto. Minha mãe nasceu em agosto. Pra mim, é um mês bom, uma espécie de recomeço e é mais ou menos isso que a gente quis retratar no nosso casamento porque já morávamos juntos”, recorda a cerimônia realizada na ilha de Mosqueiro. “Não tenho nenhuma superstição com relação a mês. Não tenho o que falar de agosto”.